Rev. Adm. Saúde - Vol. 18, Nº 71, abr. – jun. 2018

http://dx.doi.org/10.23973/ras.71.105

 

EDITORIAL

 

Ética se aprende na escola?

 

Haino Burmester1

 

1. Médico, administrador hospitalar e de sistemas de saúde. Coordenador do Programa CQH

 

Neste momento da história por que passa o Brasil, impõem-se várias reflexões sobre a ética e suas práticas no dia a dia: delações premiadas; o que é moral e ético; compliance; conduções coercitivas; acordos de leniência; buscas e apreensões; canais de denúncia; o que fazer para ser mais ético (conforme o título do artigo) e outras tantas expressões que passaram a fazer parte do noticiário diário.

A pergunta que se impõe, diante deste panorama, é se as populações hoje estão (são) mais ou menos éticas do que foram nos momentos anteriores da história da humanidade, independentemente de suas culturas (embora ética seja um conceito com variações culturais e históricas importantes). Para responder a esta pergunta, talvez se deva avaliar a condição da mulher no mundo atual; embora ainda bastante em desvantagem com relação aos homens, pode-se afirmar com bastante segurança, que a humanidade progrediu muito no reconhecimento aos direitos femininos ao logo dos anos (assim como de outros direitos humanos). Outros exemplos poderiam ser analisados para confirmar que de fato, a humanidade hoje está mais ética do que em qualquer outro momento da história, malgrado os inúmeros exemplos ainda prevalentes em alguns lugares, que demonstram o contrário.

O que fazer, contudo, para avançar ainda mais em direção a um mundo ético? Primeiro é preciso entender que nunca se poderá dizer que a humanidade alcançou um patamar ótimo de ética, porque se trata de um processo sem fim em que a humanidade estará sempre caminhando em busca de melhores níveis éticos com retrocessos e avanços.

Outro componente importante para a análise é o fato de que a ética acontece em uma zona cinzenta entre o que as pessoas pensam “como as coisas deveriam ser” e como de fato “as coisas são”. Nesse intervalo há um grande espaço para relativizações e distanciamentos das formas absolutas de ver e analisar eventos e ações de pessoas. Sempre há uma grande diferença entre o mundo ideal (das ideologias) e o mundo real. No mundo ideal não deveria haver mais guerras, embora todos saibam que, por mais pacifistas que sejam os homens, sempre haverá guerras na humanidade. No mundo ideal não deveria haver injustiças, embora por mais justos que sejam os homens, sempre haverá injustiças no mundo. Assim também com a crueldade e tantos outros conceitos humanitários.

Por outro lado, também é importante que se entendam as relações entre moral, ética e as leis. Grande número de autores considera que não existe diferença entre moral e ética. Outros, contudo, entendem que moral é o conjunto de valores e crenças que as pessoas têm dentro de si, sendo a ética a transformação desses valores em ações práticas. Desta maneira uma pessoa pode ter valores morais muito fortes sem, necessariamente ser ética, por não praticar aquilo em que acredita. Já a lei, que deriva destes dois conceitos, é restritiva no sentido que prescreve aquilo que os cidadãos não devem fazer, sem que por isso os transforme em bons cidadãos. Por exemplo: a lei proíbe matar e roubar; mas não matar nem roubar não transforma, necessariamente, as pessoas em bons cidadãos. Para serem bons cidadãos as pessoas precisam praticar muito mais ações éticas.

Remetendo ao título deste artigo reforça-se a questão de como fazer para ter mais ética nas ações das pessoas, uma vez que só existe ética quando dois seres humanos interagem. Pouco provável que as pessoas vão aprender a ser mais éticas por meio de uma disciplina curricular em qualquer nível de educação formal. Isso se aprende, desde tenra idade, em casa, por meio dos exemplos de familiares e com os demais grupos sociais com os quais as pessoas se relacionam em seu desenvolvimento cognitivo e emocional. Não há outra forma de aprender ética. Os pontos de encontro, acadêmicos ou não, podem ao longo da vida adulta das pessoas ajudá-las a compreender melhor os seus conceitos éticos, assim como os das outras pessoas. Entender as nuances e perspectivas desses conceitos. Isso ajudará a humanidade a prosseguir de maneira mais harmônica e estável nas suas relações pessoais e nacionais.

Essas reflexões devem remeter os leitores para considerar a importância de a ética estar na agenda de reflexões dos cidadãos, seja em ambientes públicos ou privados. Só assim a compreensão do que seja ético poderá prosperar em nossas sociedades com benefícios para todos.

 

 

 

Recebido: 20 de abril de 2018. Publicado: 23 de abril de 2018

Correspondência: Haino Burmester. Avenida Brigadeiro Luís Antônio, 278 - 7º andar. CEP 01318-901. São Paulo – SP. E-mail: cqh@apm.org.br  

 

 

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