Rev. Adm. Saúde (On-line), São Paulo, v. 19, n. 75: e172, abr. – jun. 2019, Epub 08 jul. 2019

http://dx.doi.org/10.23973/ras.75.172

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Geografia médica da mortalidade cardiovascular no Piauí: uma ciência a serviço da administração em saúde

Medical geography of cardiovascular mortality rate in Piaui: a science at the service of health administration

 

Djalma Ribeiro Costa1, Alexandre Gabriel Silva Rego2, Débora Sara Neves Lima3

 

1. Médico, especialista em administração em saúde. Médico do Hospital Infantil Lucídio Portella, Teresina PI

2. Graduando em medicina na Universidade Federal do Piauí, Teresina PI

3. Graduando em medicina da Uninovafapi, Teresina PI

 

 

 

RESUMO

Introdução: doenças cardiovasculares (DCV) são a principal causa de morte no Piauí, onde o índice de desenvolvimento humano (IDHM) está entre os piores no Brasil. Existem trabalhos prévios que associam inversamente o IDHM com a mortalidade por DCV, constituindo-se uma ferramenta útil à administração em saúde para o planejamento estratégico. Objetivos: analisar espaço-temporalmente a mortalidade por DCV e sua relação com o IDHM. Métodos: estudo ecológico sobre a mortalidade cardiovascular de 2005 a 2017 no Piauí e em seus municípios. Identificaram-se os grupos de risco e estudaram-se a tendência, a endemicidade e a distribuição espacial da mortalidade por DCV e sua associação com o IDHM.  Resultados: homens, negros e idosos são os grupos mais vitimizados. A partir de 2008, a tendência histórica da mortalidade por DCV no Piauí foi negativa. A principal causa de morte por DCV foram as doenças cerebrovasculares. Ocorreu epidemia de mortes por doença hipertensiva, doença isquêmica do coração e por doenças das artérias, arteríolas e capilares de 2015 a 2017. Houve distribuição espacial heterogênea das mortes por DCV que não estabeleceu associação com o IDHM.  Conclusão: os grupos mais vitimizados e os municípios mais afetados são prioritários para os investimentos em ações de planejamento em saúde. A análise ecológica espaço-temporal da mortalidade cardiovascular demonstrou-se ser importante ferramenta para guiar os administradores em saúde.

Palavras-chave: Doenças Cardiovasculares. Mortalidade. Administração em Saúde. Geografia Médica.

 

ABSTRACT

Background: cardiovascular diseases (CVD) are the main cause of death in Piaui, where the Human Development Index (HDI) is among the worst ones in Brazil. There are previous studies that inversely associate the HDI with CVD mortality rate, constituting a useful tool to the health administration for strategic planning. Objectives: to analyze spatially and temporally the CVD mortality rate and its association with HDI. Methods: an ecological study on cardiovascular mortality rate from 2005 to 2017 in Piaui and its cities. Risk groups were identified and the trend, the endemicity and the spatial distribution of CVD mortality rate and its association with HDI were studied. Results: men, blacks and the elderly are the most victimized groups. As of 2008, the historical trend of CVD mortality rate in Piaui was negative. The main cause of death of CVD was cerebrovascular disease. There was an epidemic of deaths due to hypertensive disease, ischemic heart disease and diseases of the arteries, arterioles and capillaries from 2015 to 2017. There was a spatial heterogeneous distribution of CVD deaths that did not establish association with the HDI. Conclusion: the most affected groups and cities are priority for investments in health planning actions. The spatio-temporal ecological analysis of cardiovascular mortality rate has proven to be an important tool to guide health administrators.

Keywords: Cardiovascular Diseases. Mortality. Health Administration. Medical Geography.

 

 

 

INTRODUÇÃO

O Brasil vive um processo de transição epidemiológica nas últimas três décadas, em que doenças transmissíveis tornaram-se menos incidentes, houve aumento da expectativa de vida e doenças crônicas não transmissíveis tais como as doenças cardiovasculares (DCV) passaram a ser a principal causa de morte 1, porém de modo heterogêneo em que são desfavorecidos municípios do semiárido do Nordeste brasileiro onde o índice de desenvolvimento humano (IDHM) é menor do que o IDHM de municípios de outras regiões do Brasil 2.

Em estados do sul e sudeste brasileiros, foi constatada uma tendência histórica negativa da mortalidade por DCV, enquanto no nordeste do Brasil, essa tendência era positiva de 1980 a 2010 3, preocupando, deste modo, administradores em saúde quanto às perspectivas futuras do risco cardiovascular em municípios do semiárido.

O IDHM, por sua vez, é uma média geométrica dos indicadores diretos sobre longevidade, renda e educação. Seus valores nas regiões Sul e Sudeste são muito superiores aos do Nordeste, onde está o Piauí. Devido à correlação negativa estabelecida na literatura entre IDHM e mortalidade por DCV, é provável que no Piauí a mortalidade proporcional por DCV seja devida em parte às desigualdades sociais 2,4,5.

A acessibilidade e a equidade na oferta de serviços de saúde possuem relação com o perfil epidemiológico local, com a resolutividade dos programas de Saúde Pública implementados e com o compromisso dos órgãos públicos em ofertar qualidade gerencial em saúde à população 6.

Frente às questões de injustiças sociais, faz-se necessário conhecer a relação espacial entre a ocorrência de óbitos por DCV com o IDHM no Estado do Piauí, já que essa associação tem o potencial de nortear o planejamento, a organização, a direção e o controle de políticas públicas espacialmente justas.

 

OBJETIVOS

Realizar uma análise espaço-temporal da mortalidade por doença cardiovascular no Piauí, associá-la com o índice de desenvolvimento humano municipal e identificar grupos e municípios de risco.

 

MÉTODOS

Realizou-se um estudo ecológico do tipo espaço-temporal da mortalidade por DCV no Piauí. Para isto, consideraram-se as frequências, a mortalidade, a análise de série temporal e métodos descritivos e analíticos espaciais.

Os dados utilizados na pesquisa foram coletados do DATASUS (http://datasus.saude.gov.br), do Atlas Brasil (http://atlasbrasil.org.br/2013/) e do IBGE (https://mapas.ibge.gov.br). Eles foram preparados para as etapas de quantificação e análise espacial. Incluíram-se apenas os casos cujo município de residência houvesse sido informado dentro dos limites estaduais. Foram excluídos casos alóctones.

Foram obtidas variáveis demográficas (sexo, idade e raça), espacial (município de residência), clínica (causa básica na Declaração de Óbito), temporal (janeiro de 2005 a dezembro de 2017) e IDHM por município piauiense no Censo 2010.

A idade foi categorizada em grupos etários correspondentes a neonato (0 a 28 dias de vida), lactente (29 dias a 02 anos exclusive), pré-escolar (02 a 05 anos exclusive), escolar (05 a 11 anos exclusive), adolescente (11 a 20 anos exclusive), adulto (20 a 60 anos exclusive) e idoso (60 anos ou mais). A raça foi recategorizada em brancos, negros, amarelos e indígenas.

A causa básica foi informada segundo o capítulo IX do CID10 referente aos códigos I00 a I99 com as suas categorias que são mostradas no Quadro 1.

 

Quadro 1. Doenças do aparelho circulatório segundo a Classificação Internacional de Doenças em sua décima versão.

Categoria

Definição

I00-I02

Febre reumática aguda (FRA)

I05-I09

Doenças reumáticas crônicas do coração (DRcC)

I10-I15

Doenças hipertensivas (DH)

I20-I25

Doenças isquêmicas do coração (DIC)

I26-I28

Doenças cardíaca pulmonar e da circulação pulmonar (DCP)

I30-I52

Outras formas de doenças do coração (oDC)

I60-I69

Doenças cerebrovasculares (DCbV)

I70-I79

Doenças das artérias, das arteríolas e dos capilares (DAAC)

I80-I89

Doenças das veias, dos vasos linfáticos e dos gânglios linfáticos, não classificadas em outra parte (DVL)

I95-I99

Outros transtornos, e os não classificados do aparelho circulatório (SE)

Fonte: Classificação Internacional de Doenças 10ª edição, 2017.

 

O IDHM do censo 2010 foi utilizado tanto na forma de categorias quanto variável quantitativa contínua (Quadro 2). Seus componentes educação, renda e longevidade, por outro lado, foram empregados apenas como variáveis quantitativas contínuas.

 

Quadro 2. Classificação do índice de desenvolvimento humano.

IDHM

Intervalo

Muito baixo

0 - 0,499

Baixo

0,5 - 0,599

Médio

0,6 - 0,699

Alto

0,7 - 0,799

Muito alto

0,8 - 1,0

 

Fonte: Atlas Brasil, 2019.

 

As observações consistiram, a nível municipal, na mortalidade cardiovascular (Mdcv), e, à nível estadual, na mortalidade proporcional por doença cardiovascular (Mp) e na mortalidade proporcional segundo a causa de óbito por doença cardiovascular (Mcategoria). A primeira foi analisada espacialmente sem separar os casos por ano (Equação I), enquanto as duas últimas (Equações II e III) foram calculadas por ano para análise de série temporal.

O cálculo de Mdcv, Mp e Mcategoria seguem abaixo:

 

 

 

 

Em que,  é o número de óbitos por doença cardiovascular no município x de 2005 a 2017,  é a população no município x no censo 2010,  é a contagem dos óbitos por doença cardiovascular no Estado no ano y o qual variou de 2005 a 2017,  é a contagem dos óbitos por todas as causas no Piauí no ano y e  é a contagem dos óbitos no Estado segundo a categoria apresentada no Quadro 1 no ano y.

A análise da tendência história da série foi realizada através do gráfico de linha de Mp no eixo das ordenas e o ano no eixo das abscissas, enquanto a endemicidade foi estudada através de cartas de controle de média móvel exponencialmente ponderada (EWMA). Esta técnica é robusta e tem sido aplicada na área da saúde principalmente na vigilância epidemiológica e no controle de infecções hospitalares e serve para identificar as alterações que indicam melhoria ou então agravamento do estado de saúde da população, indicando precocemente surtos ou epidemias. O pré-requisito de sua realização é a estacionariedade dos dados da série, a qual foi comprovada neste estudo através do teste de Dickey-Fuller aumentado no software R Statistics7–9.

A carta EWMA foi utilizada para a frequência absoluta de cada categoria por ano. Para a sua análise, utilizaram-se um fator L = 3 que corresponde aos limites 3σ usuais e um λ = 0,2. Desse modo, um ponto acima de 3σ da linha central é considerado fora de controle, isto, surto ou epidemia7,10.

O teste de Kruskal-Wallis foi utilizado nesse estudo para investigar a existência de relação entre a classificação do IDHM e a Mdcv dos 224 municípios piauienses. Esse teste é usado para determinar se as medianas de dois ou mais grupos diferem entre si11.

A estatística descritiva espacial é a ferramenta para informação de um problema geográfico aplicável a todas às ciências em que o ‘onde?’ seja importante para gerar conhecimento12. Suas principais medidas utilizadas neste estudo foram o centro médio, o centro médio ponderado e o centro modal. Este último foi representado através de mapas coropléticos quantitativos, enquanto os dois primeiros foram calculados conforme as Equações IV e V. Nota-se que a diferença entre eles reside na utilização de uma ponderação (w) qualquer intrínseca à área de estudo com a finalidade de demonstrar o quanto w é capaz de deslocar o ponto médio13,14.

 

 

Onde  é a longitude média;  é a longitude de cada município informada pelo IBGE; é a longitude média ponderada;  é a latitude média;  é a latitude de cada município informada pelo IBGE;  é a latitude média ponderada;  é a média de Mdcv para cada município i no período de 2005 a 2017; e, i varia de 1 a 224.

O mapa coroplético quantitativo mostra as quantidades no interior de uma superfície que pode ser político-administrativa ou unidade de área qualquer. Os dados deste valor são, em geral, do tipo ocorrência por unidade de área e pode ser representado na forma de cores ou tonalidades, dispostas segundo uma tonalidade visual crescente, de modo que valores absolutos ou relativos sejam representados a partir do menor para o maior de maneira coerente e proporcional. O mapa coroplético qualitativo, por outro lado, não se lhe exige gradiente, mas escolha de cores com finalidade categórica 13,15,16.

Neste estudo o mapa coroplético quantitativo, além de representar o centro modal, teve-lhe acrescida a camada correspondente aos centros médios e a área de influência (buffer) dividida em quatro zonas. Esta etapa foi realizada no software QGIS Las Palmas, através de seus complementos Multi Ring Buffer e XY Tools.

Para estudar a autocorrelação espacial da variável Mdcv, utilizou-se o teste de Getis e Ord (Gi). Seu resultado no Software GeoDa, cria dois mapas coropléticos: um quantitativo representado em escala de cor verde para as categorias de pseudo-valor p (p>=0,05 ou não significante, p<0,05, p<0,01 e p<0,001), e um mapa qualitativo com três agrupamentos: sem significância (branco), com valores altos do indicador(em vermelho) e com valores baixos do indicador (em azul)17.

Após a criação dos agrupamentos, eles foram comparados entre si quanto aos valores do indicador Mdcv, IDHM, IDHM educação, IDHM renda e IDHM longevidade através do teste de Mood para a mediana. Este teste é uma estatística não paramétrica utilizada para comparar duas medianas e suas amplitudes interquartílicas. Faz uso da distribuição qui-quadrado para comparação da medida do teste e avaliar o nível de significância11.

Os softwares utilizados foram R Statistics, Minitab V. 17, QGIS Las Palmas e GeoDa 11,14,17,18. Considerou-se estatisticamente significante um valor p menor de 0,05.

Todas as informações utilizadas neste estudo foram obtidas de bases de dados públicas fornecidas pelo Atlas Brasil 2013, pelo IBGE e pelo DATASUS, dispensando-se por conseguinte aprovação em comitê de ética em pesquisa.

 

RESULTADOS

O Piauí é uma unidade federativa localizada na região meio-norte do nordeste brasileiro, possui uma área de 251.611,93 km2, uma população e densidade demográfica de 3.118.360 habitantes e 12,4 hab./km2. Vive um processo de transição demográfica com uma pirâmide etária com estreitamento de base segundo o censo 2010 e aumento de expectativa de vida ao nascer de 60,71 para 71,62 anos de 1991 a 2010. Seu IDHM passou de 0,484 (muito baixo) em 2000 para 0,646 (médio) em 2010 quando ocupava a quarta posição entre os Estados com pior IDHM no Brasil. Ademais, 81% de seus municípios tiveram IDHM baixo ou muito baixo em 2010. Vale ressaltar ainda que sua capital é Teresina, onde viviam, em 2010, 814.230 pessoas (cerca de um quarto da população estadual)5.

Identificaram-se os grupos mais vitimizados pelas DCV no Piauí de 2005 a 2017: homens, idosos e negros. As doenças cerebrovasculares (DCbV) foram a principal causa de morte por DCV (35,5%), seguidas pelas doenças isquêmicas do coração (DIC) (27,28%) e pelas doenças hipertensivas (DH) (20,24%) (Tabela 1).

 

Tabela 1. Variáveis demográficas e clínicas dos óbitos por doenças cardiovasculares de 2005 a 2017 no Piauí.

Variável

Frequência absoluta

Frequência relativa (%)

Sexo

  Homem

  Mulher

 

40.198

34.463

 

54,00

46,00

Grupo etário

  Neonato

  Lactente

  Pré-escolar

  Escolar

  Adolescente

  Adulto

  Idoso

 

4

115

26

56

248

13.256

60.934

 

0,01

0,15

0,03

0,08

0,33

17,76

81,64

Raça

  Negros

  Brancos

  Amarelos

  Indígenas

 

55.035

15.085

318

54

 

78,07

21,40

0,40

0,08

CID 10 – categorias

  I00-I02

  I05-I09

  I10-I15

  I20-I25

  I26-I28

  I30-I52

  I60-I69

  I70-I79

  I80-I89

  I95-I99

 

 

22

196

15.113

20.370

674

10.069

26.397

1.012

660

158

 

 

0,03

0,26

20,24

27,28

0,90

13,50

35,35

1,35

0,88

0,21

Nota: Dados faltosos foram excluídos.

 

Na análise do comportamento da série temporal, foi possível identificar uma tendência crescente da Mp de 2005 a 2008. Após isto, houve redução das taxas até 2017 (Figura 1).

 

Uma imagem contendo mapa, texto

Descrição gerada automaticamente

Figura 1. Série temporal de mortalidade proporcional por doenças cardiovasculares de 2005 a 2017 no Piauí. Dados do DATASUS, 2019.

 

Quanto à estratificação dos casos de óbitos por DCV, constatou-se um padrão histórico de redução gradual da representatividade de DCbV (I60-I69) e aumento da representatividade de DIC (I20-I25). Isto quer dizer que o óbito por doenças isquêmicas do coração está com tendência crescente com o potencial de ser a posteri a principal causa de óbito cardiovascular no Piauí.

 

Uma imagem contendo texto, mapa

Descrição gerada automaticamente

Figura 2. Série histórica da mortalidade proporcional por categoria de doenças cardiovasculares de 2005 a 2017. Dados do DATASUS 2019.

 

Através de cartas de controle EWMA, evidenciou-se uma incidência fora de controle ou ‘epidemia’ recente de óbitos por DHC (I10-I15), DIC (I20-I25) e de DAAC (I70-I79) (Figura 3).

 

Uma imagem contendo texto, mapa, interior, sentado

Descrição gerada automaticamente

Figura 3. Cartas EWMA de categorias de doenças cardiovasculares (frequência absoluta) segundo o CID10 (I00 a I99) de 2005 a 2017 no Piauí. Dados do DATASUS, 2019.

 

Referente à associação entre IDHM nos 224 municípios piauienses e Mdcv, não houve diferença estatisticamente significante ao teste de Kruskal-Wallis (H = 2,67, g.l. = 3, valor p = 0,445).

À estatística descritiva espacial, identificaram-se os centros médio e médio ponderado em (-42,4098; -6,70095) e (-42,424; -6,806), respectivamente. A distância euclidiana entre os pontos médios foi de 11,8 km. No mapa coroplético (Figura 6) é possível notar a pouca distância entre os pontos médios e o impacto da ponderação (Mdcv) sobre o centro médio. Também é possível perceber que dentro do Buffer concentraram-se muitos municípios com elevada densidade de mortes por DCV pertencentes ao quartil onde se encontra o centro modal.

 

Figura 4. Mapeamento dos resultados incluindo os centros médio e médio ponderado, a área de influência e a distribuição municipal da taxa de mortalidade por doença cardiovascular de 2005 a 2017. Dados de Atlas Brasil, 2019; DATASUS, 2019; IBGE, 2019.

 

A seguir, realizou-se o teste de Getis e Ord, criando-se dois mapas coropléticos qualitativos: um de agrupamentos e um de significância em escala de cor verde, conforme a Figura 5.

 

Uma imagem contendo texto, mapa

Descrição gerada automaticamente

Figura 5. Autocorrelação espacial de mortalidade cardiovascular nos municípios piauienses de 2005 a 2017. Dados de DATASUS, 2019; IBGE, 2019.

 

Na Tabela 2 encontram-se listados os municípios agrupados como alta e baixa autocorrelação espacial.

 

Tabela 2. Municípios agrupados como alta e baixa autocorrelação espacial para mortalidade com doenças cardiovasculares de 2005 a 2017. Dados de DATASUS 2019.

 

Alta autocorrelação

Baixa autocorrelação

Municípios

Barro Duro

Beneditinos

Dirceu Arcoverde

Elesbão Veloso

Fartura do Piauí

Hugo Napoleão

Jardim do Mulato

João Costa

Monsenhor Gil

Nova Santa Rita

Oeiras

São Braz do Piauí

São Lourenço do Piauí

São Miguel da Baixa Grande

Várzea Branca

Anísio de Abreu

Avelino Lopes

Barreiras do Piauí

Bom Jesus

Bom Princípio do Piauí

Buriti dos Lopes

Cocal

Corrente

Cristalândia do Piauí

Curimatá

Curralinhos

Gilbués

Ilha Grande

Joaquim Pires

Luís Correia

Madeiro

Paquetá

Redenção do Gurgueia

Riacho Frio

Santa Filomena

Santa Luz

São Gonçalo do Gurgueia

São Raimundo Nonato

Sebastião Barros

 

Na comparação entre esses agrupamentos quanto ao IDHM, IDHM educação, IDHM renda e IDHM longevidade, não houve diferença estatisticamente significante entre eles (Tabela 3).

 

Tabela 3. Análise dos agrupamentos de municípios com baixa e com alta autocorrelação espacial através do teste de Mood para a mediana. Dados do DATASUS, 2019.

Variável

Agrupamento de autocorrelação

Mediana

AIQ

Valor p

Mortalidade (/1.000 hab.)

Alta

31,8

9,4

<0,001

Baixa

 

19,4

7,3

IDHM

Alto

0,5800

0,042

0,332

Baixa

 

0,5585

0,047

IDHM Educação

Alto

0,460

0,088

0,648

Baixa

 

0,440

0,103

IDHM renda

Alto

0,557

0,048

0,648

Baixa

 

0,534

0,052

IDHM longevidade

Alto

0,753

0,036

0,385

Baixa

0,763

0,039

 

 

DISCUSSÃO

O Piauí é um estado onde existem muitas desigualdades sociais que são refletidas no seu IDHM. De acordo com o IBGE, em 2016, o Piauí tinha 45,1% de sua população vivendo em situação de pobreza. Em 2017, o índice subiu para 45,3%, o que equivaleu a 8.234 pessoas a mais. A má distribuição e organização econômica, social, política e ambiental afetam as condições de saúde dos indivíduos e das populações em geral 19, de modo que as condições de vida no Piauí são potencialmente favorecedoras da mortalidade por DCV.

Existem fatores de risco sociais e biológicos associados à morbimortalidade por DCV no Piauí, corroborado pelos grupos mais vitimizados identificados na série: homens, idosos e negros. Dados epidemiológicos mostram que a probabilidade de um indivíduo de 50 anos, sem exposição de fatores de risco conhecidos, desenvolver um evento coronariano é de 6% em 10 anos; enquanto um indivíduo de 60 anos passa a ter a probabilidade de 9% para desenvolver o mesmo evento 20. Segundo a American Heart Association (AHA), a taxa de mortalidade por DCV aumenta com a idade e que homens negros tem maior risco óbito por DCV do que mulheres negras, bem como em relação a outras etnias 21,22.

As DCbV foram em toda a série estudada a principal causa de morte por DCV, dando lugar paulatinamente à morte por DIC, de modo que atualmente se vive uma endemia de mortes pela primeira e uma epidemia de mortes pela segunda. Em países em desenvolvimento ocorre uma maior participação das DCbV na mortalidade por DCV, enquanto nos países desenvolvidos existe uma maior contribuição das DIC. O inadequado controle dos fatores de risco para DCV, em especial a hipertensão arterial sistêmica (HAS) é o fator de risco mais prevalente na população brasileira e nas camadas menos favorecidas da população, enquanto as condições socioeconômicas e as dificuldades em ter acesso à saúde expõem estes indivíduos a um maior risco de morte por DCbV23. Dessa forma, esses dados podem ser um reflexo das desigualdades sociais expressas pelo IDHM nos municípios do Piauí.

Uma outra informação de destaque é a epidemia de mortes por DAAC observada no final da série estudada, porquanto, a pesar de ser proporcionalmente menor do que DH, DAC e DCbV, as DAAC representadas pelas arteriopatias periféricas guardam estreita relação com a aterosclerose a qual é a principal afecção coronariana e cerebrovascular responsável por morte, relacionando-se com o envelhecimento da população 24.

Foi possível constatar a presença de uma distribuição espacial heterogênea da mortalidade por DCV no Piauí e alguns municípios tiveram autocorrelação estatisticamente significante tanto para a alta quanto para a baixa concentração de casos de óbitos por DCV. Para Silva, Paes e Silva (2016), o IDHM é um importante determinante social para as elevadas taxas de mortalidade por DCV. No Piauí, porém, não foi possível estabelecer uma associação direta entre mortalidade por DCV e o IDHM.

Outros determinantes e condicionantes sociais que não o IDHM e seus componentes (longevidade, educação e renda per capta) podem estar associados a uma redução da mortalidade por DCV. Cita-se, por exemplo, a taxa de financiamento de ações em saúde, principalmente na atenção básica como em um estudo realizado por MULLER et al. (2012) que constataram a redução das taxas de mortalidade por DCV no Estado do Paraná e nas suas macrorregionais de saúde explicadas não só pelo maior acesso aos serviços de saúde, como também pela maior cobertura da estratégia de saúde da família.

 

CONCLUSÕES

A mortalidade proporcional por doenças cardiovasculares no Piauí apresentou uma tendência histórica decrescente a partir de 2008. Manteve o componente "óbitos por doenças cerebrovasculares" como a principal causa de morte cardiovascular em toda a série. Homens, idosos e negros foram os grupos mais vitimizados. Cidades próximas do centro médio apresentaram a maior frequência absoluta e o maior risco de morte cardiovascular na série estudada. Não houve associação estatisticamente significante entre mortalidade cardiovascular e índice de desenvolvimento humano municipal. A análise espaço-temporal da mortalidade cardiovascular demonstrou ser uma importante ferramenta para guiar o planejamento estratégico em Saúde Pública no Piauí.

 

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AGRADECIMENTOS

À Secretaria de Estado da Saúde do Piauí pelo apoio a esta pesquisa em epidemiologia espacial.

 

 

 

Recebido: 02 de junho de 2019. Aceito: 01 de julho de 2019

Correspondência: Djalma Ribeiro Costa.  E-mail: djalmacosta1@gmail.com

Conflito de Interesses: os autores declararam não haver conflito de interesses.

 

 

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