Rev. Adm. Saúde (On-line), São Paulo, v. 21, n. 83: e285, abr. – jun. 2021, Epub 06 jul. 2021

http://dx.doi.org/10.23973/ras.83.285

 

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Ocorrência de readmissões hospitalares em um município de grande porte populacional

Occurrence of hospital readmissions in a large population municipality

 

Bruna Moreno Dias1, Ariane Cristina Barboza Zanetti2, Lucieli Dias Pedreschi Chaves3, Carmen Silvia Gabriel4

 

 

1. Enfermeira. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Fundamental da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP/USP), Ribeirão Preto SP.

2. Farmacêutica. Tutora e supervisora de conteúdo do MBA Gestão em Saúde da USP.

3. Enfermeira. Professora associada do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da EERP/USP, Ribeirão Preto SP.

4. Enfermeira. Professora associada do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da EERP/da USP, Ribeirão Preto SP.

 

 

 

RESUMO

Objetivo: analisar as readmissões hospitalares em instituições públicas e privadas de um município de grande porte populacional. Método: Estudo observacional analítico das readmissões ocorridas em Ribeirão Preto, em 2011, em hospitais públicos e privados. Resultados: Identificou-se 16.123 readmissões hospitalares em 11 hospitais, com taxa média de readmissão de 14,2%. As readmissões mais frequentes ocorreram em pacientes em idade adulta, com no mínimo uma comorbidade associada. Predominaram as readmissões pelo Sistema Único de Saúde, em hospitais com mais de 100 leitos e elevada complexidade assistencial. A readmissão precoce está associada ao sexo, tipo de convênio e tempo de permanência na internação inicial. Conclusões: Os resultados sugerem que as readmissões estejam relacionadas à dinâmica da rede de serviços e à complexidade assistencial dos casos atendidos; seu monitoramento auxilia no processo de planejamento, programação e avaliação das ações em saúde; entretanto, a utilização desse indicador de desempenho deve acontecer em conjunto com outros indicadores, analisados de acordo com a realidade institucional e dos fatores intervenientes.

Palavras-chave: Readmissão do Paciente; Indicadores de Qualidade em Assistência à Saúde; Acesso aos Serviços de Saúde.

 

ABSTRACT

Objective: to analyze hospital readmissions in public and private institutions in a large population size municipality. Method: Observational analytical study of readmissions in Ribeirão Preto in 2011, in public and private hospitals. Results: 16,123 hospital readmissions were identified in 11 hospitals, with a mean readmission rate of 14.2%. The most frequent readmissions occurred in adult patients, with at least one associated comorbidity. Readmissions were predominant in the Unified Health System, in hospitals with more than 100 beds and high complexity of care. Early readmission is associated with gender, type of health insurance plan and length of stay in the initial hospitalization. Conclusions: The results suggest that readmissions are related to the dynamics of the service network and to the complexity of care of the cases seen; its monitoring assists in the process of planning, programming and evaluating health actions; however, the use of this performance indicator should occur in conjunction with other indicators, analyzed according to the institutional reality and intervening factors.

Keywords: Patient Readmission; Quality Indicators, Health Care; Health Services Accessibility.

 

 

 

INTRODUÇÃO

A readmissão hospitalar é definida como a internação repetida de um paciente após certo intervalo de tempo. Tal conceito tem sido utilizado como indicador de resultado dos cuidados prestados na internação hospitalar, sendo entendido como indicador de qualidade1.

O estudo das readmissões se torna relevante em razão da indicação de elementos disfuncionais do sistema ou serviços de saúde, além do fato de serem frequentemente evitáveis, perigosas e representarem elevados custos hospitalares 2.

No nível hospitalar, a utilização excessiva de serviços e cuidados expõe os usuários a riscos desnecessários à sua segurança, além de serem deletérias a alocação de recursos 3.

No contexto da adoção de modelos que favoreçam a melhoria da qualidade, a utilização da readmissão como indicador de desempenho teve início em instituições dos Estados Unidos da América (EUA), com posterior utilização em outros países 1,4.

As readmissões também podem decorrer da oferta e acesso inadequados aos serviços de cuidados primários 5; sendo sugerida a implementação de ações no nível primário e programas de transição de cuidado com outros níveis de atenção 6.

Quando ocorrem em curto período de tempo, as readmissões sugerem alta hospitalar precoce na internação inicial do paciente e outros problemas atinentes à qualidade do cuidado hospitalar 7.

As taxas de readmissão hospitalar também podem ser relacionadas ao porte e nível de complexidade do hospital, de forma que hospitais de maior porte e complexidade assistencial podem apresentar taxas superiores de readmissão 8.

Embora seu estudo seja crescente, falta definição clara do termo, uma vez que na literatura são encontrados distintos conceitos, como readmissão e reinternação, e diferentes períodos de análise; dificultando a interpretação de resultados e comparação entre instituições 1,4.

Frente às diferenças apontadas e com base em referenciais bibliográficos internacionais 4, este estudo adota o termo readmissão hospitalar definido como internação hospitalar repetida do mesmo usuário, na mesma instituição, independente do diagnóstico, ocorrida no período de até 30 dias após a alta hospitalar.

Logo, compreender as readmissões hospitalares possibilita otimizar o processo de tomada de decisão assistencial e gerencial; uma vez que, do ponto de vista assistencial, incentiva a adoção de ações de prevenção de sua ocorrência e seguimento adequado após a alta; e, do ponto de vista gerencial, possibilita melhor configuração e articulação dos diferentes níveis de atenção, bem como da alocação de recursos disponíveis e, indiretamente, pode ser um indicador da qualidade assistencial ofertada.

Frente ao exposto, o objetivo deste estudo foi analisar a ocorrência das readmissões hospitalares ocorridas no ano de 2011 em um município de grande porte populacional em instituições públicas e privadas.

 

METODOLOGIA

Estudo observacional analítico das readmissões hospitalares ocorridas no município de Ribeirão Preto-SP, no ano de 2011. O município é polo assistencial regional, referência em ações e serviços de saúde de média e alta complexidade para a população do Departamento Regional de Saúde (DRS XIII), referência para outros municípios e estados em determinados procedimentos, tanto na esfera pública quanto privada.

A rede de serviços de saúde do município possui 2.503 leitos de internação, distribuídos em 20 hospitais, dos quais 11 fizeram parte deste estudo 9, representando 76,58% do total de leitos disponíveis. Dentre os hospitais não participantes, um foi excluído em razão do atendimento especializado em psiquiatria e do comportamento das readmissões nesta especialidade. Os demais hospitais não incluídos apresentam menor impacto no perfil de internações do município.

Os dados foram provenientes do Centro de Processamento de Dados Hospitalares (CPDH) - Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; serviço responsável por processar dados de internações em hospitais públicos e privados, realizadas em Ribeirão Preto e região. Para dois hospitais que não integram o CPDH, em função da importante inserção na rede assistencial, os dados foram provenientes do Serviço de Arquivo Médico e Estatístico das instituições, sem prejuízo de informações, uma vez que todas as instituições utilizam mesmo modelo de Folha de Alta.

A caracterização dos hospitais é apresentada no Quadro 1. Nove hospitais são classificados como gerais, que atendem à demanda espontânea e referenciada, de média e alta complexidade; dois realizam atendimento especializado em Ginecologia, Obstetrícia, Neonatologia e Pediatria.

 

Quadro 1. Caracterização dos hospitais participantes. Ribeirão Preto, SP, 2021.

Hospital

Natureza Jurídica

Tipo

Número de leitos

Complexidade

Programas de qualidade/ acreditação

Hospital A

Público

Geral

855

Alta

Selo CQH

Hospital B

Privado sem fins lucrativos

Geral

155

Alta

Não

Hospital C

Privado com fins lucrativos

Geral

59

Alta

Não

Hospital D

Privado sem fins lucrativos

Especializado

103

Alta

Não

Hospital E

Privado com fins lucrativos

Geral

163

Alta

ONA

Hospital F

Público

Especializado

56

Média

Não

Hospital G

Privado com fins lucrativos

Geral

102

Alta

ONA

Hospital H

Privado sem fins lucrativos

Geral

32

Média

Não

Hospital I

Privado com fins lucrativos

Geral

82

Alta

Não

Hospital J

Privado sem fins lucrativos

Geral

88

Alta

Não

Hospital K

Privado sem fins lucrativos

Geral

251

Alta

Não

Legenda: CQH - Compromisso com a Qualidade Hospitalar; ONA - Organização Nacional de Acreditação

 

Dos hospitais privados, cinco não apresentam fins lucrativos e prestam atendimento a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), particulares e beneficiários da saúde suplementar. Um hospital possui Selo de Conformidade do Programa Compromisso com a Qualidade Hospitalar (CQH) e três hospitais são acreditados pela metodologia da Organização Nacional de Acreditação (ONA).

O ano de 2011 foi selecionado por ser o último ano completo com dados consolidados pelo processo de digitação e conferência realizado pelo CPDH na ocasião da coleta de dados.

A coleta foi realizada pela pesquisadora no período de junho a agosto de 2014. Foram coletados dados de registros de internações repetidas, do mesmo paciente, na mesma instituição, independente do diagnóstico, no decorrer do ano de 2011, tendo sido excluídos registros de internação com dados inconsistentes e/ou incompletos.

Os registros das readmissões compuseram banco de dados em planilha eletrônica do software Microsoft Excel. Para análise dos dados foi utilizada estatística descritiva e os testes Qui-quadrado de Pearson, Exato de Fisher e t de Student, com nível de significância de 95%, por meio do software IBM SPSS Statistics, versão 19.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, processo CAAE 20063813.3.0000.5393.

 

RESULTADOS

Foram analisados 114.195 registros de internações, dos quais 38.145 eram repetidos. Dessas internações, 13.606 foram classificadas como internações iniciais, ou seja, a primeira internação do paciente no período em estudo. Dentre as repetições, 8.321 internações ocorreram em intervalo superior a 30 dias, não sendo objeto deste estudo; cinco registros foram considerados como perdas, por apresentarem inconsistência nos dados; logo, a amostra deste estudo contou com 16.213 readmissões ocorridas em até 30 dias após a alta da internação inicial.

Os pacientes readmitidos apresentaram mínimo de duas e máximo de 39 internações no período. Conforme apresentado na Tabela 1, houve distribuição similar para os sexos masculino e feminino, com exceção de dois hospitais, por serem especializados em Ginecologia, Obstetrícia, Neonatologia e Pediatria, justificando predomínio de pacientes do sexo feminino.

 

Tabela 1. Caracterização de readmissões hospitalares no ano de 2011.

Variáveis

   Frequência

(%)

Sexo

Masculino

8.256

50,9

Feminino

7.957

49,1

 

Comorbidades

Nenhuma comorbidade

3

0,0

1 diagnóstico

7.721

47,6

2 diagnósticos

3.355

20,7

3 diagnósticos

1.788

11,0

4 diagnósticos

1.089

6,7

5 diagnósticos

2.257

13,9

 

Permanência

Até 7 dias

12.831

79,1

Até 30 dias

2.997

18,5

Mais de 30 dias

385

2,4

 

Procedência

Ribeirão Preto

9.351

57,7

Outros municípios DRS

3.973

24,5

Outros municípios SP

2.319

14,3

Outros Estados

569

3,5

Perdas

1

0,0

 

Tipo de convênio

SUS

12.547

77,4

Não SUS

3.666

22,6

 

Os pacientes apresentaram em média dois diagnósticos de comorbidades associadas, além do principal, que motivou a internação do paciente. Predominaram as internações com registro de uma comorbidade, representando 47,6% das readmissões. A frequência máxima de comorbidades identificadas foi de cinco diagnósticos (13,9%).

O tempo de permanência médio foi de seis dias, sendo que 79,1% das readmissões tiveram permanência de até sete dias de internação.

As internações de pacientes procedentes de Ribeirão Preto representaram maior proporção (57,7%); seguidas por internações de pacientes procedentes dos demais municípios do DRS XIII (24,5%); provenientes de outros municípios do estado de São Paulo (14,3%) e de outros estados (3,5%).

Os usuários do SUS foram readmitidos em maior proporção (77,4%) frente a outros tipos de convênio. Quatro pacientes tiveram como condição de saída o óbito, todos com idade superior a 50 anos.

As causas de internação, identificadas por diagnóstico principal e categorizadas por capítulos do Código Internacional de Doenças (CID-10), evidenciaram como capítulos com maior proporção de readmissão: Neoplasias 19,9%; Doenças do aparelho circulatório 13,7%; Doenças do aparelho digestivo 12,0%; Lesões envenenamento e algumas outras consequências de causas externas 11,6%; Doenças do aparelho geniturinário 6,6%; e, Doenças do aparelho respiratório 6,4%. Os seis capítulos representaram 70,2% do total de readmissões.

Predominaram as readmissões realizadas no intervalo de até 7 dias após a alta da internação inicial (59,05%), enquanto as readmissões no período de 7 a 30 dias ocorreram em 40,95% dos casos.

Quando comparados o grupo com readmissões de até 7 dias após a alta e grupo com readmissões de 7 a 30 dias após a alta, observa-se diferença estatisticamente significativa para as variáveis sexo e tipo de convênio, conforme apresentado na Tabela 2.

 

Tabela 2. Sexo, tipo de convênio e condição de saída, segundo intervalo de tempo após a alta no ano de 2011.

Variáveis

Até 7 dias (n=9.573)

Até 30 dias (n=6.640)

Total (n=16.213)

p-valor

n

%

n

%

n

%

Sexo

Masculino

4.991

60,45

3.265

39,55

8.256

100

<0,001 1

Feminino

4.582

57,58

3.375

42,42

7.957

100

 

Tipo de convênio

SUS

7.958

63,43

4.589

36,57

12.547

100

<0,001 1

Não SUS

1.615

44,05

2.051

55,95

3.666

100

 

Condição de saída

Alta

9.570

59,04

6.639

40,96

16.209

100

0,649 2

Óbito

3

75,00

1

25,00

4

100

1 Qui-quadrado de Pearson; 2 Teste Exato de Fisher; considerada significância estatística para valores p inferiores a 0,05.

 

Quando observada a idade dos pacientes readmitidos, predominaram os idosos, com idade superior a 60 anos (38,4%), seguidos pela faixa etária de 50 a 59 anos (17,9% das readmissões). Pacientes em faixas etárias até 19 anos, classificados como crianças e adolescentes, representaram 12,2% das readmissões; enquanto o grupo de pacientes em idade adulta, entre 20 e 59 anos, apresentou proporção de 49,4%.

Quando comparadas as médias de idade, tempo de permanência na internação e número de comorbidades entre os grupos de pacientes readmitidos em até 7 dias e pacientes readmitidos até 30 dias, observa-se diferença estatisticamente significativa para a variável tempo de permanência (Tabela 3).

 

Tabela 3. Idade, tempo de permanência na internação e número de comorbidades, segundo intervalo de tempo após a alta no ano de 2011.

Variáveis

Média

Desvio padrão

p-valor1

Idade

Até 7 dias (n=9.573)

50,16

23,34

0,316

Até 30 dias (n=6.640)

49,79

22,67

Permanência

Até 7 dias (n=9.573)

6,59

9,92

<0,001

Até 30 dias (n=6.640)

4,92

8,24

Número de comorbidades

Até 7 dias (n=9.573)

2,18

1,45

0,936

Até 30 dias (n=6.640)

2,19

1,43

1 Teste t de Student; considerada significância estatística para valores p inferiores a 0,05.

 

A taxa de readmissão média foi de 14,2%, com variação de 2,1 a 31,7% entre os hospitais (Tabela 4). Nos hospitais gerais, a taxa de readmissão variou de 2,8 a 31,7%, enquanto nos dois hospitais especializados a taxa foi de 2,1%.

 

Tabela 4.  Taxa de readmissão por hospital no ano de 2011.

 Hospital

Altas

Readmissões

Taxa

Hospital A

32.023

7.905

24,7

Hospital B

10.538

3.341

31,7

Hospital C

4.973

280

5,6

Hospital D

14.863

305

2,1

Hospital E

11.087

1.101

9,9

Hospital F

7.836

161

2,1

Hospital G

6.360

506

8,0

Hospital H

386

11

2,8

Hospital I

8.028

463

5,8

Hospital J

4.516

189

4,2

Hospital K

13.585

1.951

14,4

Total

114.195

16.213

14,2

 

 

DISCUSSÃO

A taxa de readmissão média constatada (14,2%), é semelhante aos valores identificados na literatura internacional; tais como 11,6% e 10,2% em hospitais de ensino na Itália 5,6; 12,9% em estudo desenvolvido em quatro estados dos EUA 8; 12,6% em seis hospitais de Toronto 10; e 16,7% em de hospitais públicos de Hong Kong 11.

A taxa de readmissão foi inferior nos hospitais especializados, ambos em saúde da mulher, apontando baixa taxa de readmissão nesta especialidade. Para os hospitais gerais, a capacidade de leitos parece interferir na taxa de readmissão, sendo que no hospital H, único com número de leitos inferior a 50, a taxa foi de 2,8%; nos hospitais gerais com capacidade de 50 a 100 leitos, a taxa de readmissão variou de 4,2 a 5,8%; enquanto que entre os hospitais com capacidade superior a 100 leitos, variou de 8,0 a 31,7%; demonstrando maiores taxas em hospitais de maior porte e complexidade assistencial, tal como identificado em estudo desenvolvido em onze hospitais nos EUA 8.

No intervalo entre a alta hospitalar da internação inicial e a readmissão, os hospitais apresentaram readmissões em até sete dias (59%). A readmissão precoce, em até sete dias, está relacionada ao sexo, tipo de convênio e tempo de permanência na internação inicial. Este padrão sugere alta hospitalar precoce e outros problemas atinentes à qualidade do cuidado hospitalar na internação inicial 7.

O tempo de permanência nas readmissões foi de até 7 dias, similar a permanência relatada em estudo desenvolvido na Itália, em que pacientes readmitidos tiveram média de permanência de 7,7 dias, enquanto aqueles que não foram readmitidos tiveram média de 6,7 dias 6.

No tocante à idade, predominaram pacientes em idade adulta, entre 20 e 59 anos, com 49,4% do total; fato este com implicações social e econômica, uma vez que esta faixa etária representa a maior parcela da população em idade ativa, compondo 79,34% deste grupo 12. Os pacientes idosos, com idade superior a 60 anos, representaram 38,4% do total de readmissões, perfil condizente com o envelhecimento da população.

Na análise da causa de internação, os seis capítulos de diagnósticos de maior frequência foram condizentes com as principais causas de internação do município, a saber: Doenças do aparelho circulatório; Lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas; Doenças do aparelho digestivo; Neoplasias (tumores); e Doenças do aparelho respiratório 13.

As readmissões por neoplasias constituíram as causas mais frequentes em todos os hospitais gerais, com exceção do hospital H; sendo que os hospitais com maiores proporções (A, B, E e K) possuem centros especializados em oncologia.

A elevada proporção de readmissões por neoplasias sinaliza vulnerabilidade destes pacientes 6, merecendo destaque frente ao aumento da incidência da doença nos últimos anos.

As causas relacionadas ao aparelho circulatório também estiveram entre as principais causas de readmissão em seis dos nove hospitais gerais; cinco dos quais possuem serviço de hemodinâmica, a saber: A, B, E, G e K.

O predomínio de readmissões por doenças do aparelho circulatório e por neoplasias é condizente com o perfil de morbidade da população, com elevada prevalência de doenças crônicas não transmissíveis, globalmente apontadas como principais causas de morte e incapacidades, muito embora ainda sejam negligenciadas nos sistemas de saúde, que apresentam enfrentamento focado nas condições agudas e pouca implementação de políticas intersetoriais e integração dos serviços de saúde 14,15.

As comorbidades estiveram presentes em 100% das readmissões, sendo que em 52,4% foram registrados dois ou mais diagnósticos secundários, sugerindo que o maior número de diagnósticos complementares e o manejo inadequado dessas doenças está relacionado à elevadas taxas de readmissão 6.

Entende-se, ainda, que a presença de comorbidades pode implicar em maior procura e utilização dos serviços de saúde, sendo uma das razões da necessidade percebida pelo usuário 16, o que pode influenciar na ocorrência da readmissão hospitalar.

Quanto à procedência dos pacientes, a distribuição apresentada é condizente com a regionalização adotada, em que a assistência especializada é prestada em determinadas áreas, voltadas para casos de maior complexidade assistencial 13,17.

A procedência de pacientes readmitidos foi similar ao padrão de produção de internações no município, apresentando 36% das internações oriundas de outros municípios 17 e apontando perfil de maior complexidade assistencial para as readmissões.

Para as internações pelo SUS, estão disponíveis 63,12% do total de leitos do município 9, contrastando com a proporção de readmissões dos usuários do SUS (77,4%), considerada elevada para o padrão de distribuição de leitos em instituições privadas e cobertura de beneficiários da saúde suplementar.

No município predominam os leitos em hospitais privados, muito embora maior parte desses leitos estejam disponíveis para oferta assistencial aos usuários do SUS, por meio de contratualização firmada com instituições filantrópicas.

Cabe destacar, ainda, que embora o município apresente elevada taxa de cobertura de beneficiários da saúde suplementar, parte desses também são usuários do SUS, em especial para os serviços preventivos e de alta complexidade 13,15.

O hospital A, por seu perfil de hospital de ensino e forma de inserção na rede, é referência para internações de alta complexidade, concentrando elevada produção de procedimentos especializados, recursos tecnológicos e financeiros. Estima-se que hospitais com este perfil realizam três vezes mais internações de alta complexidade que o conjunto de hospitais do SUS, atuando como centro de referência para diversas redes de atenção à saúde 18. Tal hospital merece destaque por ser o único voltado preferencialmente ao atendimento de pacientes SUS que participa de algum modelo de avaliação externa da qualidade.

Dos onze hospitais, apenas quatro participam de programa de avaliação externa, reforçando a realidade do país, em que, embora haja serviços de alta qualidade e processos de acreditação bem definidos, apenas uma pequena proporção destas instituições são acreditadas 15. O hospital A possui Selo de Conformidade do Programa CQH, desde 2010, enquanto os hospitais E, G e I são acreditados pela metodologia ONA, desde 2010, 2001 e 2016, respectivamente.

Ao analisar as taxas de readmissões dos hospitais participantes de programas de avaliação externa da qualidade, observou-se que o hospital A apresentou taxa de 24,7%, hospital E 9,9%, hospital G 8,0% e hospital I 5,8%. O hospital A possui taxa superior de readmissão, além de participar de modelo de avaliação distinto, possuindo maior produção de internações e demanda de elevada complexidade. Assim, entende-se que o hospital A apresenta mais fatores de risco para ocorrência de readmissão, não sendo possível afirmar que a qualidade nos outros hospitais é melhor, sem a análise concomitante de outros indicadores de desempenho.

Entende-se como diferencial deste estudo a diversidade de contextos de hospitais públicos e privados, no que diz respeito ao comportamento das readmissões de pacientes internados pelo SUS e outros tipos de convênio ou desembolso direto, em instituições que participam ou não de programas externos de qualidade; sendo fator limitante do estudo, a impossibilidade de classificação da evitabilidade das readmissões, a utilização de dados secundários e não estratificação das instituições em razão de suas características.

 

CONCLUSÕES

Os hospitais apresentaram taxas de readmissões no intervalo de 2,1 a 31,7%; com readmissões ocorridas no período de até sete dias após a alta da internação inicial. A readmissão precoce, em até sete dias, está associada ao sexo, tipo de convênio e tempo de permanência na internação inicial.

As readmissões foram mais frequentes em pacientes com tempo de permanência inferior a sete dias na internação inicial, em pacientes adultos, com ao menos uma comorbidade associada, tendo como causa mais frequente os diagnósticos do capítulo das neoplasias. Predominam as readmissões no sistema público, apontando a dinâmica de acesso e utilização da rede de serviços de saúde e a maior complexidade assistencial desses casos.

A adoção de programas de modelos de avaliação externa sugere a redução das taxas de readmissão, quando considerados porte e complexidade assistencial do hospital.

Os resultados sugerem que o monitoramento das readmissões possibilita melhoria da gestão clínica e da regulação em saúde. Neste sentido, a readmissão pode auxiliar no processo de planejamento, programação e avaliação do conjunto de ações em saúde; entretanto, a utilização como indicador de desempenho deve se dar em conjunto com outros indicadores, analisados de acordo com a realidade institucional e dos fatores intervenientes, principalmente no que diz respeito à configuração e articulação dos diferentes níveis de atenção e componentes.

Este estudo traçou o perfil das readmissões hospitalares, fenômeno pouco investigado no Brasil, apontando necessidade de novas pesquisas, sobretudo, no que diz respeito ao monitoramento do indicador na perspectiva da avaliação dos serviços de saúde.

 

 

REFERÊNCIAS

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Recebido: 02 de abril de 2021. Aceito: 30 de junho de 2021

Correspondência: Bruna Moreno Dias.  E-mail: bruna.dias@usp.br

Conflito de Interesses: o autor declarara não haver conflito de interesses

 

 

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