Rev. Adm. Saúde (On-line), São Paulo, v. 21, n. 84: e298, jul. – set. 2021, Epub 04 out. 2021

http://dx.doi.org/10.23973/ras.84.298

 

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Perfil dos núcleos de segurança do paciente em serviços da Rede Cegonha no Nordeste brasileiro

Profile of patient safety centers in services of the Rede Cegonha in Northeast Brazil

 

Maria da Conceição Oliveira de Lima1, Cristiane Inácio Silva de Sales2, Pétala Tuani Cândido de Oliveira Salvador3, Theo Duarte da Costa4, Rayssa Horácio Lopes5

 

 

1. Enfermeira, especialista em auditoria em serviços de saúde. Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal RN.

2. Enfermeira.

3. Enfermeira, doutora em enfermagem. Docente da Escola de Saúde da UFRN, Natal RN.

4. Enfermeiro, doutor em enfermagem. Docente da Escola de Saúde da UFRN, Natal RN.

5. Enfermeira, doutoranda em saúde coletiva. Docente da Escola de Saúde da UFRN, Natal RN.

 

 

 

RESUMO

Introdução: A necessidade de uma assistência segura e de qualidade nos serviços de saúde, levou a publicação de normativas nacionais visando a implantação dos núcleos de segurança do paciente. Assim, os serviços de atenção obstétrica que compõe a rede cegonha brasileira devem ter seus núcleos implantados e desenvolvendo atividades de segurança do paciente, com vistas a favorecer um cuidado seguro. Objetivo: Descrever o perfil dos Núcleos de Segurança do Paciente em serviços de atenção obstétrica com componente parto, da Rede Cegonha do Rio Grande do Norte. Método: Estudo descritivo, documental, com coleta de dados realizada em março de 2021, em três bancos de dados eletrônicos nacionais e estadual. Os resultados foram analisados através da estatística descritiva simples. Resultados: Encontrou-se um quantitativo de 25,64% de núcleos cadastrados nos estabelecimentos de saúde responsáveis pela atenção obstétrica com componente parto da Rede Cegonha; das oito regiões de saúde do estado, apenas cinco possuem serviços que implementaram o núcleo, com uma concentração na região metropolitana; metade dos serviços com núcleo cadastrados tem natureza jurídica vinculada à administração pública estadual e a data de cadastro foi mais frequente nos anos de 2019 e 2020. Conclusão: Identificou-se uma fragilidade em serviços da Rede Cegonha no Rio Grande do Norte, pelo não cumprimento das legislações vigentes.

Palavras-chave: Segurança do paciente. Obstetrícia. Serviços de Saúde Materno-Infantil.

 

ABSTRACT

Introduction: The need for safe and quality care in health services, led to the publication of national regulations and the implementation of the patient safety centers. Thus, the obstetric care services that make up the Brazilian Rede Cegonha must have their centers implanted and develop patient safety activities, with a view to favoring safe care. Objective: To describe the profile of the Patient Safety Centers in obstetric care services with parturition component, of the Rede Cegonha in the state of Rio Grande do Norte. Method: Descriptive, documentary study, with data collection carried out in March 2021, in three national and state electronic databases. The results were analyzed using simple descriptive statistics. Results: It was found a quantity of 25.64% of Patient Safety Centers registered in the health establishments responsible for obstetric care with parturition component of Rede Cegonha; of the eight health regions in the state, only five have services that have implemented the Patient Safety Centers, with a concentration in the metropolitan region; half of the services with registered Patient Safety Centers, have a legal nature linked to the state public administration and the date of registration was more frequent in the years 2019 and 2020. Conclusion: A weakness in the services of Rede Cegonha was identified in Rio Grande do Norte, due to non-compliance current legislation.

Keywords: Patient Safety. Obstetrics. Maternal-Child Health Services.

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

A maternidade é um momento ímpar na vida da mulher, na qual grande expectativa é gerada para a vinda de uma criança. Até o final do século XIX as mulheres eram assistidas pelas parteiras em seus lares, com mínima intervenção médica 1, entretanto, com o desenvolvimento das novas tecnologias, o parto deixou de ser tratado como evento fisiológico e o modelo assistencial hospitalocêntrico passou a ser o preferencial 2. Embora inicialmente este tenha sido adotado com o objetivo de garantir a saúde das mulheres e seus recém-nascidos (RNs), com o mínimo de intervenções médicas, buscando a segurança do binômio mãe/filho 3, em algumas realidades como a brasileira, isso estimulou um maior quantitativo de partos cirúrgicos.

No Brasil, evidencia-se o aumento dos percentuais dos partos cesarianos em detrimento dos partos vaginais e, enquanto a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) estabelece que apenas 15% deveriam ser partos cesarianos, o país está classificado como o segundo no ranking mundial, de modo que atinge 57%, dentre o total de partos realizados. Este aumento significativo observado no número de cesáreas eleva os riscos a que essas mulheres e seus filhos estão expostos 4.

Com vistas a atuar nesta problemática, em 2011 foi criada, através da Portaria nº 1.459/2011, a Rede Cegonha (RC), uma iniciativa do Ministério da Saúde, inserida na discussão ampliada das Redes de Atenção à Saúde (RAS), buscando a reorientação do modelo de atenção materno-infantil, com o objetivo de assegurar o direito ao planejamento reprodutivo, à assistência ao pré-natal, parto e ao puerpério, e à assistência à criança 5.

A partir desse momento, torna-se premente avançar para garantir o direito ao nascimento seguro, crescimento e desenvolvimento até os dois anos de idade, de forma a incorporar tecnologias de acordo com as necessidades, prezando sempre por evidências científicas sólidas, possibilitando uma atenção eficiente e de qualidade, focada na satisfação dos usuários, melhoria dos indicadores de morbidade e mortalidade 5,6.

Assim, as estratégias desenvolvidas na RC extrapolam o mero repasse de recursos e aumento do número de leitos, oferta de procedimentos, ao passo que, para além disso, buscam a melhoria da qualidade da atenção ofertada à população 6.

Na busca de uma assistência segura e de qualidade, não apenas para os serviços obstétricos, mas para todos os serviços de saúde, tem-se buscado a implementação da segurança do paciente no Brasil, a qual conceitua-se como a “redução, a um mínimo aceitável, do risco de dano desnecessário associado à atenção à saúde” 7.

 Segurança do paciente é uma temática relevante para a saúde pública, devido à redução dos danos causados aos usuários dos serviços, favorecendo melhorias na qualidade de vida destes 8.

Visando à segurança do paciente, foi criado pelo Ministério da Saúde (MS) o Programa Nacional de Segurança do Paciente, através da Portaria nº 529, de 2013, o qual busca contribuir com a qualificação do cuidado em saúde em todos os estabelecimentos de saúde do território nacional 7.

No Brasil, as ações de segurança do paciente são coordenadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a qual é responsável por publicar as legislações e orientações da área. Em 2013, a ANVISA instituiu ações para a segurança do paciente em serviços de saúde, através da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 36, que dispõe sobre a obrigatoriedade de implantação dos núcleos de segurança do paciente (NSP), com o papel de implementar as ações relativas à segurança do paciente, e à gestão do risco frente a todos os cuidados prestados, desde a admissão até a alta 9.

Diante da relevância do tema segurança do paciente, da necessidade de um serviço de saúde de atenção obstétrica seguro e de qualidade, bem como diante da prática profissional vivenciada em uma instituição pública federal onde o NSP é bem atuante, formado por uma equipe multidisciplinar, questiona-se sobre qual o perfil dos NSP nos serviços de atenção obstétrica com componente parto inseridos na Rede Cegonha do Estado do Rio Grande do Norte.

Assim, com este estudo, objetivou-se descrever o perfil dos núcleos de segurança do paciente cadastrados em serviços de atenção obstétrica com componente parto, inseridos na Rede Cegonha do Rio Grande do Norte.

 

MÉTODOS

Estudo do tipo descritivo, documental, ancorado em pesquisa com dados secundários disponibilizados através de bases eletrônicas.

Para nortear a elaboração deste estudo foi elaborado um protocolo de pesquisa documental, contendo a descrição metodológica realizada, bem como os indicadores de coleta, e as estratégias para análise de dados.

O cenário do estudo foi o Estado do Rio Grande do Norte, localizado na Região Nordeste do Brasil, constituído por 167 municípios, divididos em oito regiões de saúde, dos quais 39 possuem serviços voltados à atenção obstétrica com componente parto inserido e pactuados com a Rede Cegonha.

O local de desenvolvimento do estudo, partindo da coleta, foram os bancos de dados eletrônicos: Cadastro Nacional de Estabelecimentos em Saúde (CNES), portal de dados abertos da ANVISA, através da ferramenta Microsoft Power BI, e planilha com dados sobre os serviços da Rede Cegonha no RN disponibilizada pela Secretaria de Estado da Saúde Pública do Rio Grande do Norte (SESAP/RN).

Os critérios de inclusão foram: todos os serviços de atenção obstétrica elencados na Rede Cegonha com componente parto, que tenham NSP cadastrados e disponíveis no site da ANVISA. Os critérios de exclusão foram: serviços para os quais não se pôde identificar fonte de financiamento, serviços sem funcionamento ou pactuação com a Rede Cegonha, e ainda com indicadores ausentes, inviabilizando a coleta.

Os indicadores de coleta foram relacionados à existência de NSP implantados, região de saúde, município, fonte de financiamento/gerência na esfera administrativa, data de cadastro do NSP na ANVISA, Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), nome de fantasia, razão social e categoria da instituição, os quais foram analisados através de estatística descritiva simples e discutidos com base na literatura pertinente.

Este estudo utilizou dados secundários, de acesso aberto, e que não dizem respeito à pesquisa com seres humanos, portanto, não necessitou de apreciação ética por Comitê de Ética em Pesquisa.

 

RESULTADOS

Dos 39 municípios distribuídos nas oito regiões de saúde que apresentam serviços de atenção obstétrica com componente parto inseridos na Rede Cegonha do RN, a 6ª região apresenta o maior número de estabelecimentos, com um total de 11 serviços de saúde (Quadro 1).

 

Quadro 1. Serviços de saúde da Rede Cegonha RN com componente parto por regiões de saúde.

Região de saúde

Município

Serviço de saúde com componente parto

São José de Mipibu

Hospital Regional Monsenhor Antônio Barros

Santo Antônio

Hospital Regional Lindolfo Gomes Vidal

Mossoró

Associação de Proteção e Assistência à Maternidade e à Infância de Mossoró APAMI – Maternidade Almeida Castro

Apodi

Centro Obstétrico Municipal Albaniza Diógenes

Caraúbas

Hospital Regional Dr. Aguinaldo Pereira da Silva

Areia Branca

Hospital Maternidade Sara Kubitschek

Ceará Mirim

Hospital Municipal Dr. Percílio Alves de Oliveira

Macau

Fundação Antônio Ferraz – APAMI Associação de Proteção e Assistência à Maternidade e à Infância

Taipú

Hospital Municipal Maternidade de Taipú

Guamaré

Hospital Manoel Lucas de Miranda

Currais Novos

Hospital Regional Mariano Coelho

Santana do Matos

Hospital Dr. Clóvis Avelino

Jucurutu

Hospital Maternidade Terezinha Lula de Queiroz Santos

Jardim do Seridó

Hospital Maternidade Dr. Ruy Mariz

Caicó

Hospital do Seridó

Parelhas

Maternidade Dr. Graciliano Lordão

Lagoa Nova

Hospital Maternidade Garibalde Alves Filho

 

São Paulo do Potengi

Unidade Materno-Infantil Integrada de São Paulo do Potengi

Santa Cruz

Hospital Universitário Ana Bezerra – HUAB

Alexandria

Hospital Maternidade Joaquina Queiroz

Hospital Maternidade Guiomar Fernandes

Almino Afonso

Hospital Maternidade Abel Belarmino de Amorim

Pau dos Ferros

Hospital Regional Dr. Cleodon Carlos de Andrade

Hospital Dr. Nelson Maia      

Maternidade Santa Luiza de Marilac

São Miguel

Maternidade Dom Eliseu Mendes

Frutuoso Gomes

Hospital Maternidade Severina Carlos de Andrade

Patu

Hospital Municipal de Patu

Rafael Godeiro

Hospital Mãe Maria Seridó

Tenente Ananias

Hospital Lindolfo Fernandes 

Natal

Maternidade Prof. Leide Morais

Maternidade Escola Januário Cicco

Maternidade Dr. Araken Irerê Pinto

Hospital Dr. José Pedro Bezerra

Parnamirim

Maternidade Divino Amor

Macaíba

Hospital Alfredo Mesquita Filho

São Gonçalo do Amarante

Hospital Maternidade Belarmina Monte

Assú

Hospital Regional Nelson Inácio dos Santos

Angicos

Hospital Regional de Angicos

 

Fonte: dados da Rede Cegonha. SESAP/RN, 2021.

 

Consta no portal de dados abertos da ANVISA, através de infográfico da ferramenta Microsoft Power BI, 42 NSP cadastrados no RN, dentre todo o elenco de serviços disponíveis no estado, conforme a última atualização da referida página anterior à coleta de dados em 02.03.2021.

Ao realizar a busca dos 39 serviços da Rede Cegonha com componente parto apresentados no Quadro 1, no referido portal da ANVISA, apenas 10 (25,6%) apresentavam NSP cadastrados. Desses, cinco encontram-se na 1ª, 2ª, 4ª e 5ª regiões, e os outros cinco se concentram na 7ª região, como destaca o Quadro 2. Observou-se que a 6ª região de saúde, que apresenta maior número de serviços de atenção obstétrica com componente parto da Rede Cegonha, não possui nenhum NSP cadastrado na ANVISA.

Dentre os NSP dos serviços de atenção obstétrica vinculados à Rede Cegonha cadastrados, estes apresentam natureza jurídica e gerência na esfera administrativa de formas variadas, sendo cinco (50,0%) deles vinculados à administração pública estadual, dois (20,0%) com administração federal, dois (20,0%) com administração municipal e apenas um (10,0%) na esfera privada/filantrópica, como aponta o Quadro 2.

 

Quadro 2. Descrição dos serviços de saúde da Rede Cegonha/RN com componente parto e NSP cadastrados na ANVISA, por região de saúde, município, natureza jurídica, data de cadastro e categoria da instituição.

Região de saúde

Município

Serviço de saúde/ Nome de Fantasia

Natureza Jurídica/Gerência na esfera administrativa

Data de cadastro do NSP

Categoria da instituição

São José de Mipibu

Hospital Regional Monsenhor Antônio Barros/HRMAB

Administração Pública/Estadual

20/10/20

Núcleo de Segurança do Paciente

Mossoró

Associação de Proteção e Assistência à Maternidade e à Infância de Mossoró (APAMI)/Hospital e Maternidade Almeida Castro

Privado (filantrópico)

21/03/16

Hospital

Currais Novos

Hospital. Mariano Coelho

Administração Pública/Estadual

30/01/19

Hospital

Caicó

Hospital Regional do Seridó/Unidade Hospitalar Regional Do Seridó

Administração Pública/Estadual

18/05/17

Núcleo de Segurança do Paciente

Santa Cruz

Hospital Universitário Ana Bezerra/HUAB

Administração Pública/Federal

02/03/06

Hospital Sentinela

Natal

Maternidade Escola Januário Cicco/MEJC

Administração Pública/Federal

03/12/14

Hospital Sentinela

Hospital Dr.José Pedro Bezerra /Hospital Santa Catarina

Administração Pública/Estadual

12/03/19

Núcleo de Segurança do Paciente

Parnamirim

Hospital Maternidade Divino Amor

Administração Pública/Municipal

21/02/19

Secretaria Municipal de Saúde

São Gonçalo do Amarante

Hospital Maternidade Belarmina Monte

Administração Pública/Municipal

30/08/19

Hospital

Macaíba

Hospital Alfredo Mesquita Filho/HRAMF

Administração Pública/Estadual

23/12/20

Núcleo de Segurança do Paciente

 

Fonte: dados da pesquisa no site ANVISA em 02/03/2020.

 

Destaca-se que, embora ainda não preste serviços à Rede Cegonha, por estar em fase de construção, encontra-se cadastrado na ANVISA o NSP do Hospital e maternidade Parteira Maria Correia, em Mossoró/RN, contudo, este foi excluído dos resultados por não satisfazer os critérios de inclusão definidos.

Com relação à data de cadastro do NSP na ANVISA, os dados disponíveis no portal revelam que seis (60,0%) destes foram cadastrados nos anos de 2019 e 2020, e apenas um no ano de 2006.

A categoria da instituição, apresentada na ANVISA, quando do cadastro do NSP, revela cinco (50,0%) serviços classificados como hospitais, sendo dois destes hospitais sentinela, os quais estão ligados à esfera de administração federal e configuram-se como hospitais-escola, vinculados à rede EBSERH; outros quatro (40,0%) serviços foram cadastrados na categoria Núcleo de Segurança do Paciente; e um (10,0%) como Secretaria Municipal de Saúde.

 

DISCUSSÃO

Os NSP devem ser estruturados nos serviços de saúde públicos, privados, filantrópicos, civis ou militares, incluindo aqueles que exercem ações de ensino e pesquisa9, sendo a sua instituição uma atividade basilar para a prática segura, pois pode contribuir para desenvolvimento de uma cultura de segurança, trazendo melhorias para a assistência, ao passo que auxilia na identificação e diminuição de erros10.

Os dados encontrados revelam um baixo percentual de NSP cadastrados nos serviços da Rede Cegonha com componente parto no RN (25,6%), estes sendo inferiores ao percentual de NSP cadastrados para as categorias hospitais, hospitais sentinelas e NSP, frente ao quantitativo de hospitais gerais e especializados constantes no CNES no Brasil, o qual representa 48,9% de NSP nos referidos serviços.

Esses dados encontram relevo em estudo desenvolvido no Paraná, que aponta limitações, inquietação e dificuldades para a implantação dos núcleos, destacando como entraves a alta gestão, o dimensionamento inadequado de profissionais, a falta de interesse dos profissionais no aprendizado, mesmo em se tratando de instituição de ensino e pesquisa 11.

Embora a garantia da segurança do paciente não se resuma à criação de políticas e estabelecimento de normas, ainda que estas sejam importantes, tais como a estruturação dos NSP, faz-se necessária a oferta de uma estrutura adequada para as intervenções e práticas de assistência prestadas ao paciente, o que, quando é contemplado de forma insuficiente, leva a um estado de maior vulnerabilidade aos riscos e eventos adversos, demonstrando falta de cultura de segurança 12.

A implantação do NSP e elaboração do Plano de Segurança do Paciente (PSP) no serviço de saúde já representa um avanço capaz de produzir incentivos à cultura de segurança do paciente, revelando a preocupação com o apoio de melhorias na estrutura e processos melhorando os resultados da assistência prestada 13.

Para uma implantação e implementação do NSP torna-se fundamental a cooperação entre os diversos componentes, visando ultrapassar as dificuldades e adotar as medidas de segurança, que necessita, além do envolvimento dos profissionais de saúde, da gestão e dos pacientes participando ativamente desta prática 12.

Dessa forma, é necessário atuar em treinamentos, pesquisas e atividades de educação permanente, visando à qualificação profissional não apenas dos profissionais do NSP, mas de toda a equipe de saúde, porém estudos destacam a importância de que o profissional responsável por direcionar as atividades do NSP seja exclusivo para esta atividade, o que requer garantia de recursos humanos e financeiros 10. Nesse sentido, a experiência de uma enfermeira com dedicação exclusiva para atuação no NSP é realidade de um hospital de grande porte, com gestão privada, no Sul do Brasil, onde as atividades de gerenciamento de risco acontecem desde 2009, tendo o NSP sido instituído formalmente em 2015 com composição de equipe multidisciplinar 8.

Apesar dos desafios enfrentados pelos estabelecimentos hospitalares no Brasil, o apoio da alta direção e engajamento de lideranças foram fundamentais para a implementação da segurança do paciente e a estruturação de NSP, para além de atendimento à exigência regulatória, é uma efetiva medida para ampliar a visibilidade e construir/fortalecer uma cultura de segurança do paciente 8. Podendo ser capaz de alcançar o nível de fortaleza da cultura de segurança, quando analisada esta dimensão do apoio da gerência, como apresentou resultado de estudo desenvolvido anteriormente 14.

Tais dados revelam que o apoio da gestão é importante para a implementação do NSP e, por conseguinte, para implantar de uma cultura de segurança, o que leva à reflexão sobre o apoio que as instituições de saúde sem o NSP da Rede Cegonha do RN têm recebido de sua gestão local e regional.

A concentração de serviços de saúde com NSP cadastrados na ANVISA na região metropolitana (50%) parece encontrar destaque nos resultados de estudo que revelou que o Nordeste brasileiro, em 2016, ainda possuía 175 regiões (22,5% da população do país) classificadas como de grupos de baixo desenvolvimento socioeconômico, nas quais, embora tenham apresentado melhoria neste perfil e na oferta de serviços, estes se encontram extremamente concentrados em poucas regiões, especialmente as capitais e tradicionais polos regionais 15.

Nesse sentido, a construção das regiões e das Redes de Atenção à Saúde (RAS) faz parte do segundo ciclo de organização do Sistema Único de Saúde (SUS), que data dos anos 2000 e persiste aos dias atuais, surgindo para dar conta das necessidades de saúde da população, atendendo aos princípios da integralidade, universalidade e equidade, ao passo que algumas ações e serviços de maior complexidade administrativa e tecnológica são ofertados pelos municípios de maior porte nesta região e a população de municípios menores, mediante processos de referência, pode ter acesso aos mesmos 16,17.

Assim, região de saúde é um recorte territorial em que municípios limítrofes são agrupados, a partir de determinados aspectos culturais, econômicos, sociais, com vistas a integrar, organizar e planejar a oferta de ações e serviços de saúde, garantindo ao cidadão gozar plenamente do direito igualitário a estas ações e serviços, o mais próximo de seu território, independentemente de onde este esteja, sem onerar os entes federativos além de suas possibilidades 17,18.

Já a rede de saúde é organizada a partir de níveis de complexidade tecnológica das ações e serviços, de forma a satisfazer as necessidades das pessoas através de um itinerário terapêutico dotado de racionalidade de gastos, processo e tempo, minimizando aspectos burocráticos, favorecendo o cuidado com a saúde 17.

Nesse cerne, a RC desponta como uma das redes preferenciais, que, juntamente com outras definidas no país, representam o pontapé para a projeção de linhas de atenção e cuidado num desenho sistêmico e complexo que constitua uma verdadeira RAS capaz de responder ao conjunto de necessidades sociais, compreendendo que tais necessidades expressam-se de diferentes maneiras, dada a heterogeneidade do Brasil, mas que necessita pautar-se pelo efetivo direito à saúde, reduzindo as imensas desigualdades sociais existentes 16.

Percebe-se que, mesmo com a estrutura de regionalização e redes instituída no estado, a persistente ausência de NSP cadastrados em diversos serviços, ainda que decorridos mais de 7 anos da publicação da normativa legal e do prazo para a sua instituição 7, pode revelar desigualdades na rede de serviços, insuficiências estruturais, indicando baixa qualidade dos mesmos, visto ser a segurança do paciente um dos atributos de qualidade do cuidado 19.

Tal situação expressa-se especialmente nas regiões mais afastadas da metropolitana, como a 6ª região, que, apesar de apresentar o maior quantitativo de serviços pactuados com a Rede Cegonha, não apresenta nenhum NSP cadastrado.

Diferentemente do que apontam os dados de serviços com componente parto vinculados à Rede Cegonha e que possuem NSP cadastrados na ANVISA, em que apenas um serviço é do tipo filantrópico, outro estudo aponta a marcante presença do setor privado com ou sem fins lucrativos e de entidades empresariais médicas, com sua lógica de mercado, que prestam serviços ao SUS, o que é difícil de ser enfrentado por muitos municípios brasileiros 16.

Das oito regiões de saúde, apenas cinco apresentam maternidades pactuadas com a Rede Cegonha e com NSP cadastrados na ANVISA. Mostra-se, portanto, possível fragilidade da Rede Cegonha, havendo, assim, uma não conformidade e o não cumprimento da RDC no 36, de 25 de julho de 2013, ao passo que, em seu artigo 13, destaca-se que a não estruturação do NSP é infração sanitária, de acordo com legislação específica 9.

Nos serviços de saúde destacados neste estudo, 60% deles cadastraram seus NSP entre 2019 e 2020, revelando um espaço de tempo muito superior ao que fora preconizado em legislação 9. Isto se contrapõe aos resultados de estudo desenvolvido no Paraná que avaliou a implantação do NSP de uma instituição hospitalar de ensino, e revelou que o referido setor foi designado ainda em 2013 como uma comissão, e logo em seguida como núcleo 13. E com estudo desenvolvido no Sul do Brasil, em que a instituição teve seu NSP instituído formalmente em 2015 8.

Importante destacar que a presença de NSP cadastrado, por si só, não atesta a qualidade no serviço. E que, quanto ao funcionamento destes, outras análises precisam ser desenvolvidas para melhor compreender se atuam como recomenda a legislação e se há avanços no tocante à adoção de uma cultura de segurança no serviço. Tal fato é corroborado por estudo realizado no Mato Grosso do Sul, em que a presença de NSP não necessariamente indicou a prestação de assistência segura e de qualidade, tendo em vista que, em alguns hospitais, não foram implantados protocolos referentes à segurança do paciente e não foram introduzidos sistematicamente os processos de trabalho, equipes não foram formadas e a educação permanente não mostrou transformação nesses profissionais 20.

Ainda nessa direção, estudo realizado em Minas Gerais apontou que alguns profissionais enfermeiros membros do NSP apresentavam desconhecimento acerca das competências necessárias para atuação nas atividades, bem como pouca exposição fundamentada sobre o tema, muito embora reconhecessem ser alvo de discussão ampla, relevante para uma atuação segura que minimize erros, previna danos, e que o NSP é algo positivo para a instituição, capaz de melhorar a segurança para profissionais e pacientes, impactando na melhoria da qualidade 10.

Reflete-se, então, sobre a necessidade de ser inserido com maior ênfase o debate sobre a segurança do paciente na formação dos profissionais de saúde, com vistas a sensibilizar sobre a necessidade de adoção de uma cultura de segurança nos serviços em que venham a se inserir profissionalmente.

Além disso, torna-se fundamental que haja mais apoio das Vigilâncias Sanitárias locais e regionais aos serviços de saúde, sensibilizando os gestores para apoiar a implantação, estruturação e funcionamento dos NSP, com todas as prerrogativas orientadas em legislação, na perspectiva de alcançar serviços de saúde de qualidade para a população.

 

CONCLUSÃO

Diante da relevância dos NSP, observa-se que no Estado do Rio Grande do Norte tem-se ainda um quantitativo muito pequeno de maternidades com NSP. Observou-se que, dos 39 estabelecimentos encontrados, apenas 10 apresentam NSP, o que representa um percentual de 25,64%. Denotou-se, ainda, maior número na 7ª região, o que mostra que os NSP estão em regiões polo, onde se localizam os centros de referência e alta complexidade.

Destaca-se, também, que, das oito regiões de saúde, apenas cinco apresentam maternidades pactuadas com a Rede Cegonha e com NSP cadastrados na ANVISA. Mostra-se, assim, uma possível fragilidade da rede de assistência obstétrica, havendo uma não conformidade e o não cumprimento da RDC no 36, de 25 de julho de 2013.

Diante deste panorama, questiona-se o motivo pelo qual o NPS, na rede de atenção obstétrica do Rio Grande do Norte, está com uma porcentagem reduzida. A divulgação deste programa atingiu seu público-alvo? O cadastramento dos NSP junto à ANVISA está gerando dificuldades operacionais dos serviços? Está havendo apoio, assessoria e recomendações das Vigilâncias Sanitárias locais para este cadastramento? Os protocolos do PNSP estão sendo implementados? Dentro das maternidades está ocorrendo a educação permanente e continuada junto à equipe multidisciplinar?

Estes questionamentos suscitam novos estudos, incluindo pesquisas de campo que possam trabalhar com toda a rede de serviços de atenção obstétrica, inclusive os que não se encontram cadastrados na Rede Cegonha, a exemplo de toda a rede privada.

Assim, ao reconhecer as limitações deste estudo documental com retrato de apenas um estado brasileiro, estimula-se que pesquisas de campo possam ser direcionadas de forma a avaliar não apenas a existência ou não dos NSP, mas principalmente sua atuação em termos de notificações e demais atividades visando à segurança do paciente e à melhoria da qualidade dos serviços de saúde.

 

 

REFERÊNCIAS

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Recebido: 15 de setembro de 2021. Aceito: 04 de outubro de 2021

Correspondência: Rayssa Horácio Lopes. E-mail: rayssahlt@hotmail.com

Conflito de Interesses: o autor declarara não haver conflito de interesses

 

 

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