Rev. Adm. Saúde (On-line), São Paulo, v. 21, n. 85: e307, out. – dez. 2021, Epub 03 jan. 2022

http://dx.doi.org/10.23973/ras.85.307

 

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Suspensão de cirurgias no Centro Cirúrgico do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo

Surgery suspension at the Surgical Center of Hospital do Servidor Público Municipal at São Paulo

 

Roberto Luiz Sodré1, Michely de Araujo Félix El Fahl 2

 

 

1. Médico. Coordenador do Centro Cirúrgico do Hospital do Servidor Público Municipal, São Paulo SP.

2. Enfermeira. Especialista em centro cirúrgico, recuperação anestésica e centro de material e esterilização. Coordenadora de enfermagem do Centro Cirúrgico do Hospital do Servidor Público Municipal, São Paulo SP.

 

 

 

 

 

 

RESUMO

Objetivos: Estabelecer a incidência de suspensões de procedimentos eletivos no centro cirúrgico, identificar as especialidades cirúrgicas mais envolvidas e os motivos mais frequentes de suspensões das cirurgias programadas. Métodos: Estudo descritivo, retrospectivo, com abordagem quantitativa e qualitativa, por meio de banco de dados e registro dos procedimentos cancelados, durante o período de janeiro de 2014 a dezembro de 2018. Resultados: Foram realizados 23.820 procedimentos no centro cirúrgico e cancelados 3.273 (12,1%). As principais causas de cancelamento foram: condições clínicas desfavoráveis (24,2%), não comparecimento do paciente (23,8 %), erro de programação da especialidade (15,4%), troca por cirurgia de urgência (7,9%), falta de material/equipamento (7,3%), falta de vaga na UTI (5,2%) e adiantado da hora (5,1%). As especialidades que menos apresentaram suspensões foram: bucomaxilo (5,9%), ginecologia (7,1%), neurocirurgia (7,8%), urologia (9,9%) e cirurgia torácica (9,9%). Conclusões: Observamos que houve diminuição dos índices de cancelamentos de cirurgias através de implementação de medidas para facilitar a organização e melhoria das taxas de qualidade hospitalar.

Palavras-chave: Suspensões; Centro cirúrgico hospitalar; Procedimentos cirúrgicos eletivos.

 

ABSTRACT

Objectives: To establish the incidence of cancellations of elective procedures in the surgical center, to identify to the more involved surgical specialties and the most frequent reasons of suspensions of the programmed surgeries. Methods: Descriptive, retrospective study, with quantitative and qualitative approach, by means of register and database of the cancelled procedures, during the period of January of 2014 the December of 2018. Results: A total of 23,820 procedures in the operating room were accomplished and 3,273 were cancelled (12,1%). The main causes of cancellation were poor clinical conditions (24,2%), nonattendance of the patient (23,8 %), specialty programming error (15,4%), exchange for emergency surgery (7,9%), lack of material/equipment (7,3%), lack of vacancy in the ICU (5,2%) and advancing of the hour (5,1%). The specialties that less presented suspensions were maxillofacial surgery (5,9%), gynecology surgery (7,1%), neurosurgery (7,8%), urology surgery (9,9%) and thoracic surgery (9,9%). Conclusions: We observed that there was a decrease in the incidence of cancellation of surgeries through the implementation of measures to facilitate the organization and improvement of hospital quality rates.

Keywords: Surgery cancellation; Hospital surgical center; Elective surgical procedures.

 

 

 

INTRODUÇÃO

O tratamento cirúrgico proposto para o indivíduo é um valor fundamental e deve ser prestado com o máximo de segurança, competência e zelo. Para tanto, a programação de uma cirurgia envolve um número considerável de profissionais, além de materiais e equipamentos.

A suspensão da cirurgia no dia programado oferece uma série de transtornos tanto para o hospital como para o usuário. Pode causar abalos psicológicos ao paciente, devido ao alto nível de envolvimento emocional antes da cirurgia, além de sentimentos negativos do indivíduo e da família para com a instituição e os profissionais envolvidos. Também é estressante e frustrante para os pacientes em termos de dias de trabalho perdidos e prejuízo para seu planejamento da vida diária.

O cancelamento da cirurgia ocasiona prejuízos para a instituição, como por exemplo: atraso na programação cirúrgica, prejuízos para outros pacientes que aguardam sua vez para operar, ampliação do custo operacional e financeiro, prolongamento do período de internação e aumento do risco de infecção hospitalar.

O volume de procedimentos cirúrgicos e o número de cancelamentos são indicadores de qualidade e produtividade hospitalar. A análise dos fatores de programação e suspensão de cirurgias revela os principais motivos que diminuem a qualidade do serviço e aponta as ações a serem utilizadas para controle e melhoria dos dados estatísticos. As instituições hospitalares utilizam indicadores para verificar a produtividade e impacto das diretrizes implantadas.

O cancelamento das operações no dia da programação é uma das principais causas do uso ineficiente do tempo da sala cirúrgica e um desperdício de recursos. Inúmeros trabalhos examinaram razões para cancelamentos com base na análise retrospectiva dos registros hospitalares e utilizaram estratégias para reduzir as suspensões. A satisfação do usuário através de serviços eficientes é o objetivo dos programas de saúde e gestão hospitalar.

 

MÉTODOS

Estudo descritivo, retrospectivo, com abordagem quantitativa e qualitativa, das cirurgias e dos cancelamentos dos procedimentos no Centro Cirúrgico do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo (HSPM). O período avaliado foi de 1º de janeiro de 2014 a 31 de dezembro de 2018, cujos dados foram obtidos dos registros de indicadores do Centro Cirúrgico e do sistema integrado de informatização hospitalar, que fornece soluções de tecnologia da informação para gerenciamento, gestão e controle social do Sistema Único de Saúde em unidades hospitalares.

A taxa de suspensão de operações é definida pelo número de procedimentos cancelados, dividido pelo total de cirurgias programadas em um período, multiplicado por cem.

O hospital possui estrutura física de 228 leitos, incluindo 34 leitos de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). No Centro Cirúrgico há dez salas operatórias, onde são realizados procedimentos de diversas especialidades.

 

Agendamento

A grade cirúrgica que oferece os horários para as diversas especialidades é elaborada distribuída nos diversos setores do hospital, com antecedência de um mês. Os avisos de cirurgias são encaminhados para o Centro Cirúrgico em impresso próprio com as informações devidamente preenchidas, tais como: nome do paciente, telefone de contato, do cirurgião, especialidade clínica, tipo de procedimento e material cirúrgico, horário de início e tempo estimado de duração do procedimento. O mapa cirúrgico é elaborado para contemplar a maioria dos avisos de acordo com o número de anestesistas, quadro de enfermagem e leitos disponíveis no hospital.

 

Cancelamento

A suspensão no dia da cirurgia é definida como qualquer operação que estava programada e que não foi realizada naquele dia. O motivo para cada cancelamento é registrado de acordo com a informação descrita pela equipe cirúrgica para a suspensão do procedimento.

A análise dos dados foi feita por meio de estatística apresentada em gráficos, tabelas e quadros, obtidos do banco de dados do Centro Cirúrgico do HSPM e do sistema de informatização do hospital.

 

RESULTADOS

Durante o período consecutivo de cinco anos um total de 27.093 procedimentos programados no Centro Cirúrgico, sendo 23.820 realizados e 3.273 cancelados. Um índice de suspensão de 12,1% (Tabela 1).

 

Tabela 1. Procedimentos realizados e cancelados no Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.

Procedimentos

2014

2015

2016

2017

2018

TOTAL

Realizados

4.623

4.717

4.733

5.035

4.712

23.820

Cancelados

694

671

602

700

606

3.273

% Cancelamentos

13,1%

12,5%

11,3%

12,2%

11,4%

12,1%

 

O estudo documental revelou que os cinco principais motivos para os cancelamentos de procedimentos cirúrgicos no hospital durante o período de 2014 a 2018 foram: o não comparecimento do paciente no dia da cirurgia (24,2%), condições clínicas desfavoráveis (23,8 %), preparo inadequado do paciente (15,4 %), troca por urgência (7,9%) e falta de material/equipamento (7,3 %), falta de vaga de UTI (5,2%) e adiantado da hora (5,1%), demonstrado na Figura 1.

 

Figura 1. Principais motivos das suspensões das cirurgias de 2014 a 2018.

 

As cinco especialidades que mais realizaram procedimentos no Centro Cirúrgico, no período de cinco anos consecutivos foram a oftalmologia (n= 3.323), ortopedia/traumatologia (n= 2.644), urologia (n= 2.447), cirurgia vascular (n= 2.289) e pronto socorro cirúrgico (n= 2.029).

A pesquisa mostrou que no recorte temporal os menores índices de cancelamento foram das clínicas: bucomaxilo (5,9%), ginecologia (7,1%), neurocirurgia (7,8%), urologia (9,9%) e cirurgia torácica (9,9%).

Houve a implementação de dados do aproveitamento dos horários cirúrgicos eletivos oferecidos pelo Centro Cirúrgico, de forma a monitorar as especialidades buscando o máximo de otimização. As clínicas que melhor utilizaram os horários cirúrgicos foram: Cirurgia Plástica (76,3%), Urologia (72,2%), Gastrocirurgia (68,7%), Cirurgia de Cabeça e Pescoço (68,3%) e Ortopedia (68,0%), conforme Figura 2.

 

Figura 2. Clínicas com melhores índices de aproveitamento dos horários cirúrgicos eletivos de 2014 a 2018.

 

DISCUSSÃO

O trabalho apontou que o paciente sem condições clínicas (28,4%) e o absenteísmo (28,1%) foram as principais causas dos cancelamentos de cirurgias no Centro Cirúrgico, seguida de suspensão por preparo pré-operatório inadequado do paciente (12,8%). As suspensões por esses motivos não estavam relacionadas com problemas de agendamento ou reserva cirúrgica.

O cancelamento de cirurgia no dia programado tem merecido avaliação de pesquisadores da área da saúde e diversos estudos demonstram índices que variam de 5,1 a 33%.

No estudo de González-Arévalo et al1 em um hospital universitário de Madrid, verificaram um índice de suspensão de cirurgias eletivas de 6,5%. Os motivos de suspensão foram o adiantado da hora (22,5%), não comparecimento do paciente (19,8%), febre e infecção (18,0%).

Pittelkow, Carvalho2 publicaram o artigo sobre a taxa de cancelamento de cirurgias em hospital estadual na cidade de São Paulo e levantaram o índice de suspensão de 11,4%. Os três principais fatores que levaram ao cancelamento das cirurgias foram: condição clínica desfavorável (32,1%), não internação do paciente (17,0%), mudança de conduta médica (11,3%), paciente sem preparo adequado (7,5%) e falta de material (7,4%).

O trabalho de Landim et al3 identificou índice de 16,6% de suspensão. As principais justificativas foram problemas relacionados ao paciente (48,2%): condição clínica desfavorável do paciente (50,3%) e não comparecimento do paciente (39,9%). Das causas para operações suspensas relacionadas à organização da unidade (22,8%) destacam-se: a prioridade por urgência (72,1%) e erro na programação cirúrgica (12,5%). Problemas relacionados aos recursos humanos (23,7%) foram responsáveis por cancelamentos: tempo cirúrgico excedido (64,5%), a falta de anestesiologista (7,8%), a falta de cirurgião (6,2%) e a mudança de conduta médica (14,0%).

No trabalho retrospectivo realizado por Macedo et al4 no Hospital Universitário de Botucatu, interior paulista, foi verificado que, no ano de 2009, a taxa de suspensão de cirurgias de 17,3%. A não internação do usuário (18,5%) foi o principal motivo de cancelamento, seguido de mudança de conduta médica (17,3%), ultrapassou o horário eletivo (16,5%) e condições clínicas desfavoráveis à cirurgia (11,2%).

O artigo divulgado por Sodré, El Fahl5 pesquisou as principais causas de cancelamento entre janeiro de 2010 e dezembro de 2013 em um hospital público na cidade de São Paulo. O estudo revelou que o não comparecimento do paciente (33,8 %), condições clínicas desfavoráveis (20,0%), adiantado da hora (5,5%), falta de vaga na UTI (4,9%) e falta de material/equipamento (4,6%) eram os motivos que mais cancelaram procedimentos entre as clínicas cirúrgicas. Além disso, foi observado também que as especialidades que mais apresentaram suspensões foram: cirurgia da mão (19,3%), cirurgia vascular (18,2%), ortopedia/traumatologia (17,6 %) e gastrocirurgia (15,3%).

Em diversos estudos analisados por Botazini6 através de uma revisão integrativa da literatura no período entre 2010 e 2016 revelou que as condições clínicas não favoráveis a cirurgia, problemas relacionados à estrutura e organização da instituição e o absenteísmo foram os motivos de cancelamentos de cirurgias que mais apareceram nos artigos compilados.

Os diversos estudos evidenciam a problemática e os fatores de cancelamentos, que podem ser alterados através do contínuo esforço para melhorar e manter os almejados padrões de qualidade hospitalar. O número de cirurgias programadas e a taxa de suspensão encontradas na literatura estão apresentados na Tabela 1.

A importância da utilização dos horários eletivos na sua integridade tem por objetivo evitar a perda dos períodos em sala operatória e acrescentar melhoria no índice de qualidade hospitalar. Esta ferramenta torna-se necessário na gestão do centro cirúrgico, pois possibilita através de medidas educativas a conscientização das equipes no seu papel para melhoria das taxas de cancelamentos de cirurgia.

Mudanças foram realizadas como, por exemplo, os avisos de cirurgias são recebidos conforme os protocolos estabelecidos, as consultas de avaliação pré-anestésica realizadas em nível ambulatorial, a sala de pré-operatório do centro cirúrgico com a sistematização de atendimento aos pacientes, a hora do início dos procedimentos, a colaboração das diversas equipes, a confirmação das cirurgias pelo contato direto com os pacientes cirúrgicos e o monitoramento do uso dos horários cirúrgicos oferecidos às especialidades.

 

CONCLUSÃO

No período estudado ocorreu a diminuição na taxa de suspensão de cirurgia, compatível com dados da literatura especializada. A ênfase nos protocolos estabelecidos e envolvimento das equipes são decisivos na melhoria dos índices de qualidade hospitalar.

 

 

REFERÊNCIAS

1.    González-Arévalo A, Gómez-Arnau JI, delaCruz FJ, Marzal JM, Ramírez S, Corral EM et al. Causes for cancellation of elective surgical procedures in a Spanish general hospital. Anaesthesia, 2009; 64(5):487-93.

2.    Pittelkow E, Carvalho R. Cancelamento de cirurgias em um hospital da rede pública. Einstein (São Paulo). 2008; 6(4):416-21.

3.    Landim FM, Paiva FDS, Fiuza MLT, Oliveira EP, Pereira JG, Siqueira IA. Análise dos fatores relacionados à suspensão cirúrgica em um serviço de cirurgia geral de média complexidade. Rev Col Bras Cir. 2009; 36(4):283-7.

4.    Macedo JM, Kano JA, Braga EM, Garcia MA, Caldeira SM. Cancelamento de cirurgias em um hospital universitário: causas e tempo de espera para novo procedimento. Rev SOBECC 2013; 18(1):26-34.

5.    Sodré RL, El Fahl MAF. Cancelamento de cirurgias em um hospital público na cidade de São Paulo. Rev Direito Sanit. 2014 abr-mai; 16(63):67-70.

6.    Botazini NO, Carvalho R. Cancelamento de cirurgias: uma revisão integrativa da literatura. Rev. SOBECC 2017; 22(4): 230-244. https://doi.org/10.5327/Z1414-4425201700040008

 

 

 

Recebido: 22 de dezembro de 2021. Aceito: 30 de dezembro de 2021

Correspondência: Michely de Araujo Félix El Fahl. E-mail: michelydearaujo@hotmail.com

Conflito de Interesses: os autores declararam não haver conflito de interesses

 

 

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