Rev. Adm. Saúde (On-line), São Paulo, v. 22, n. 87: e323, abr. – jun. 2022, Epub 04 jul. 2022

http://dx.doi.org/10.23973/ras.87.323

 

 

PERSPECTIVAS

 

Administração e comportamento como suporte na área da saúde

Management and behavior as a support in the health area

 

Olímpio J Nogueira V Bittar

 

 

1. Médico especialista em administração de serviços de saúde e políticas de saúde, São Paulo SP

 

 

 

RESUMO

As redes e unidades de saúde tem como objetivo evitar a doença e recuperar a saúde, com produtos de promoção, prevenção, diagnostico, tratamento e reabilitação. A oferta, se dá nas linhas de produção dessas unidades, proporcionando estrutura produtiva, profissionais, área física, equipamentos e insumos, que aliados a informação e conhecimento, resultam em processos que viabilizam bens, programas e serviços, retornando à comunidade. A administração e as ciências do comportamento são relevantes no alcance de metas para prover e restaurar a saúde da população, viabilizando integração profissional, aporte de infraestrutura para condução dos processos assistenciais e oportunidades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, que por sua vez possibilitara o ensino das diferentes especialidades

Palavras-chave: administração de instituições de saúde; administrações de serviços de saúde; ciências do comportamento; cultura organizacional; aprendizagem; práticas interdisciplinares.

 

ABSTRACT

The health network and institutions have as aim to avoid the disease and recovery the health with products of promotion, prevention, diagnoses, treatment, and rehabilitation. The offer is obtained in the production lines of those units, providing productive structure, professionals, physical area, equipment, and inputs, that allies to information and knowledge, result in process that enable goods, programs, and services, returning to community. Administration and behavior science are relevant to reach the goal to provide and restore population health, enabling professional integration, contribution of infrastructure for driving assistance process and research opportunities, development, and innovation, by the time will enable teaching of different specialties.

Keywords: Administration of health institutions; administration of health services; behavior sciences; organizational culture; learning; interdisciplinary practices.

 

 

 

INTRODUÇÃO

Área da saúde e suas características

Boas condições de saúde são obtidas com conhecimento por meio da educação, do saneamento do ambiente, das boas condições de trabalho, enfim, a saúde em grande medida é baseada em políticas públicas.

As redes e unidades de saúde tem como objetivo evitar a doença e recuperar a saúde, com produtos de promoção, prevenção, diagnostico, tratamento e reabilitação. A oferta, se dá nas linhas de produção dessas unidades, proporcionando estrutura produtiva, profissionais, área física, equipamentos e insumos, que aliados a informação e conhecimento, resultam em processos que viabilizam bens, programas e serviços, retornando à comunidade. Doenças são prevenidas, danos são limitados e/ou vidas são recuperadas, cujos resultados são medidos em padrões de qualidade e quantidade.

A administração e as ciências do comportamento são relevantes no alcance de metas para prover e restaurar a saúde da população, viabilizando integração profissional, aporte de infraestrutura para condução dos processos assistenciais e oportunidades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, que por sua vez possibilitara o ensino das diferentes especialidades. É preciso integrar ao conhecimento técnico-científico dos profissionais de saúde, daí a formação de equipes como saída.

As instituições são complexas, complicadas, de alto risco e custo, além de disruptivas, envolvendo múltiplas categorias profissionais de nível superior (só de saúde são 14 regulamentadas, desdobrando-se em mais de três centenas de especialidades), acrescidas das técnicas de saúde, sem contar as de infraestrutura como administradores, arquitetos, engenheiros, economistas, técnicos e pessoal de base.

A disrupção se dá por novos tratamentos, novas drogas, intensificação da digitalização, inteligência artificial, robótica, surgem, modificando os cenários preditivos, necessitando de categorias profissionais com diferentes perfis e novas habilidades. Uma consulta rápida na Classificação Internacional de Doenças (CID11) (1), constam 55.000 códigos únicos para lesões, doenças e causas de morte e na Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS (SIG TAP) (2) 4.680 itens, dos quais 4.212 são procedimentos de atenção básica, média e alta complexidade. Comparando com a indústria ou outro modelo de negócio é inexistente a possibilidade de “fabricar” ‘tantos’ produtos, partindo de ‘tantos’ diagnósticos. A qualidade e quantidade de informações necessárias as operações são em grande volume e necessitam serem trabalhadas e prontas para se transformarem em ações de saúde.

Em média uma unidade produz um pouco mais de uma centena de produtos, mas, quanto mais diversificado são eles, maiores são os relacionamentos externos, em todos os segmentos do mercado, devendo-se dar ênfase nas negociações.

A diversidade de categorias profissionais formada por inúmeras faculdades, espalhadas pelo país, diferenças curriculares e culturais, exigem esforço e investimento em capacitação, integração e treinamento constante, imprescindíveis na padronização da qualidade e quantidade de produtos necessários aos pacientes além de proporcionar ambiente de trabalho envolvente, competitivo e interessante seja do ponto de vista profissional ou pessoal. Exigem além de tudo, formas criativas de administração e atitudes comportamentais, para incorporação de talentos. (3)

O recurso material exige desde área física específica, fluxos coerentes com a preservação das condições sanitárias e agilidade no atendimento, múltiplos equipamentos de infraestrutura ancorados, os assistenciais com valores altos de aquisição e manutenção além de contratos específicos, requer expertise e investimento. 

Os insumos de alto custo, boa parte tecnologicamente complexos, modificam as formas de trabalho, interferindo na quantidade e variedade de informações exigindo administração profissional para facilitar as operações e o controle.

Órteses e próteses chegam a milhares de itens, devido a detalhes de material, dimensões, indicações; milhares de itens de medicamentos, gêneros alimentícios, peças de reposição, entre outros, agregados em processos e que necessitam ser contabilizados.

A geração de diferentes tipos de resíduos, infectocontagioso, toxico, radioativo, alimentício, plástico e outros não biodegradáveis é mais um complicador no impacto ambiental que podem causar.

Aqui, outro componente da linha de produção, os de utilidade pública, energia elétrica, água e esgoto, telefonia, gás encanado, merecem estudos inovadores que permitam redução de consumo e substituição por formas alternativas, enfim sustentabilidade.

A logística, fundamental, vai além de insumos, fazendo diferença no fluxo de pacientes, profissionais próprios e terceiros, visitantes, fornecedores, garantindo qualidade, segurança, produtividade e custos suportáveis. Tecnologia de informação, robótica são de grande auxílio na sua efetividade.

O desperdício é conceito a ser considerado nos itens acima, fonte de lixo, de contaminação ambiental, de perdas financeiras.

Gastos com capital e mão de obra requerem atenção a viabilidade econômica e, suas transações financeiras são em moedas locais e internacionais, sujeitas a sustos permanentes.

A regulação do sistema de saúde se dá tanto pelo poder público, ministério e secretaria da saúde, como pela sociedade organizada, conselhos de classe, associações de direitos do consumidor, sindicatos e outros órgãos do executivo, legislativo e judiciário. A quantidade de normas, portarias, decretos e leis são muitas, podendo gerar sobrecarga gerencial. (4)

A preocupação em atingir escala para sua produção obter aumento da produtividade e da eficiência, também é procurada nas instituições de saúde, mas, em alguns casos dificultada pelas diferentes incidências e prevalências das doenças, como nas doenças raras, e outras causas de baixa frequência, mas, que exigem assistência. A ociosidade ou o excesso de demanda causam transtornos operacionais e financeiros.

As unidades hospitalares se desdobram em grandes áreas: infraestrutura o suporte para as demais; ambulatório e emergência a porta de entrada dos clientes; complementar de diagnóstico e terapêutica uma linha de montagem; internação clínico cirúrgica com centro cirúrgico, obstétrico, unidades de internação e terapias intensivas; atividades extra hospitalares como assistência domiciliar, hospital dia, bioengenharia, farmácia de manipulação, com estruturas, processos e resultados qualitativos e quantitativos próprios.

Cada uma delas são apoiadas por subáreas, deixando estruturas pesadas, necessitando na gestão de técnicas e métodos operacionais específicos. Culturas próprias são formadas em cada uma delas, forçando a diversificação das práticas administrativas.

A situação se torna operacionalmente mais árdua e custosa quando as unidades são utilizadas para pesquisa e ensino, onde o volume de profissionais e áreas envolvidas cresce consideravelmente, exigindo estrutura diferenciada, orçamentos maiores, nem sempre bem individualizados, revisões de conteúdos teóricos e outras implicações favoráveis a eventos não programados. (5) 

As divisões internas da estrutura administrativa, organograma, são compensadas, reunidas, com a atuação das comissões, grande parte obrigatória por portarias dos órgãos coordenadores, ou por estruturas matriciais; ambas nem sempre bem utilizadas.

A produção de informações é grande, requerendo instrumentos de coleta com desenhos específicos para diferentes situações, A criação e monitoramento das metas se faz com equilíbrio no uso de indicadores, evitando tanto a falta como o exagero, inviabilizando o processo de avaliação. Digitalização, internet 4.0, inteligência artificial, devem ser valorizados visando capacidade de armazenamento, análise e síntese das informações para processos decisórios e, seguramente adequação das formas gerenciais. Séries históricas importam para comparar a evolução institucional ao longo do tempo, e, por vezes uma das poucas formas de comparação destas unidades.

Há que se observar o regime jurídico a que estão submetidas as unidades de saúde, que interferem no modelo administrativo, sendo as seguintes modalidades: privadas com e sem fins lucrativos, nas públicas as variedades como administração direta com e sem organização social, administração indireta, fundação de direito público ou privado (e nestas as fundações de apoio a administração direta e autarquias), economia mista e empresa pública, sendo que nestas duas últimas existem somente dois hospitais no país. Em algumas delas a falta de autonomia gerencial inviabiliza a prática da governança corporativa.

Riscos e incertezas são componentes inerentes a instituições de saúde, sendo que os primeiros permitem cálculos de probabilidades e preparar caso aconteçam, já os segundos, imprevisíveis, exigem conhecimento teórico, prática, técnica e administrativa, agilidade, além de liderança emocionalmente sólida para enfrentá-las. O caso típico de incertezas são as ações judiciais que desarranjam o orçamento das unidades e dos sistemas público e privado. (6)

A segurança do paciente é motivo de atenção prevenindo-se eventos adversos e iatrogenia, devido ao número de áreas e subáreas envolvidas, as diferentes categorias profissionais, recomendando monitoramento ininterrupto, levantando indicadores, capacitando o pessoal, conferindo a qualidade dos equipamentos e insumos baseados em fornecedores, entre outras variáveis. Certificação para a qualidade é recomendada, estendendo-a, na medida do possível, a todos os parceiros, garantindo da melhor forma possível a sustentabilidade das operações. A efetiva comunicação interna também faz parte, com a participação de liderança efetiva, carismática, grande articulação para negociações; a externa também não é para amadores.

 

Administração

Obter resultados em organizações desse tipo exige métodos e técnicas especificas, conhecimento teórico da administração, uso de ferramentas apropriadas para diferentes situações, aliar o conhecimento de outras ciências, como as exatas, biológicas, sociais e humanas, assimilando as culturas típicas do ambiente da saúde.

O papel da administração é crucial para o bom desempenho da instituição, podendo se aproveitar a definição como conjunto de normas e funções que disciplinam os elementos de produção, submetem a produtividade a um controle de qualidade, organizam a estrutura e o funcionamento de um estabelecimento. Como sinônimos direção, gestão.

Desde o século XVII teorias e conceitos econômicos surgem mas é a partir do final do século XIX e durante o XX  que se inicia a consolidação da administração como ciência, valendo-se das escolas de administração, começando pela cientifica, seguida das relações humanas, do behaviorismo, do estruturalismo, os sistemas abertos, a contingência, a administração por objetivos, formaram um corpo de conhecimento que se complementam e aliado ao desenvolvimento tecnológico das últimas décadas permite obter bons resultados, de maneira ágil, em estruturas complexas e processos constantemente criados e atualizados pelo mercado. (7)

As funções, quatro, planejamento, organização, direção (coordenação e regulação) e avaliação (controle, monitoramento, fiscalização e auditoria). A aplicação, a compreensão, as facilitações se tornaram possíveis e palatáveis por meio dos conceitos, qualitativos e quantitativos, sendo que cada função tem os seus, embora um conceito possa servir a mais de uma função. São inúmeros, e como exemplo tem-se produtividade, eficiência, disponibilidade e outros menos citados como serendipidade e exaptação.

Ao longo de sua evolução, inovações tecnológicas e de gestão, agregaram ferramentas administrativas, decorrentes das inovações tecnológicas e de gestão das últimas décadas, para ajuda e facilitação na elaboração de estratégias e táticas, sendo elas maiores que uma centena, representadas por 5s, PDCA, COSO, 6sigma, Lean e outras trazidas pela era digital, inteligência artificial, telessaúde, robótica. Elas não dispensam o uso ou substituem as funções da administração.

A administração não é feita de bom senso, do nascer sabendo, da intuição, e sim do ciclo do conhecimento baseado na teoria e na prática, constituindo atividade técnica, complexa que exige atualização constante. Administra-se todo o tempo, e deve-se valorizá-la com pesquisa e inovação.

Os cenários preditivos, importantes no planejamento, exercitam o entendimento de variáveis e atingimento de metas ambientais, de sustentabilidade e de governança corporativa.

 

Comportamento

Administrar tem base nas políticas institucionais claras e transparentes, transformadas em capacidade de solucionar problemas complexos, valendo-se de pensamento crítico, criatividade, capacidade analítica, habilidades de autogestão, aprendizado constante, resiliência, tolerância ao estresse, inteligência emocional e flexibilidade cognitiva, proporcionando decisões se transformarem em diretrizes, mesmo quando os mercados e clientes mudam, merecendo as considerações abaixo (8,9):

Competência: conhecimento e habilidade para saber o que, porque, como, quem, quando, onde e quanto vai custar produzir, acrescentando qual o retorno para a instituição em termos de imagem e finanças, qual o prazo para obtenção dos resultados e previsão para divulgação, publicação e/ou entrega do produto ao mercado;

Transparência: comunicação clara, precisa, no tempo certo, aplicado ao negócio, ao momento e situações tendo como base a informação;

Humanização: respeito, ética, bom relacionamento com equipes, clientes, condição ímpar para aceitação do empreendimento;

Justiça: tratamento igualitário, segurança, reconhecimento pessoal, profissional e institucional. Compatibilização dos interesses pessoais, da comunidade e os empresariais;

Metas: qualitativas e quantitativas – medir é imperativo; indicadores mostram o desempenho e o quanto do planejado é realizado. Deve-se a investimento em pessoal, no comportamento dos administradores e funcionários, em todos os níveis da cadeia, observando-se ao menos quatro atitudes: razão, emoção, irritação e discrição.

A razão estabelece o equilíbrio das ações, a contenção da emoção em situações decisórias, negociações e resolução de conflitos. Valoriza-se o conhecimento das condições internas à Instituição e dos fatores externos intervenientes, geografia, demografia, epidemiologia, política, economia, legislação, mercado de saúde. Humanização é alcançada com razão;

A emoção deve ser dominada. Na resolução de conflitos, nas negociações, não é boa parceira assim como discussões baseadas em sentimentos e componentes ideológicos;

A irritação nem sempre causa tanto mal desde que não extravase. Por vezes um certo incomodo leva a movimentos salutares; em negociações, pode ser erro imperdoável;

Finalmente, há momentos oportunos para divulgar, mantendo-se a discrição, à medida que o contrário pode expressar formulações incompletas, dados dúbios, frágeis e informações truncadas. Causam insegurança, perda de produtividade, de qualidade e aumento de custos. Planos só devem ser anunciados depois de prontos, modelos de atenção depois de testados.

 

 

 

REFERÊNCIAS

1.    Organização Mundial da Saúde. Classificação Internacional de Doenças (CID 11). 2022.

2.    Ministério da Saúde. DATASUS. Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS (SIG TAP). 2021.

3.    Bittar OJNV. Gestão de processos e certificação para qualidade. Rev. Ass. Méd. Bras. 2000; 46(1):70-6.

4.    Bittar OJNV. Inúmeros números do planejamento de saúde. Rev. Adm. em Saúde. 2005; 7(28):79-94.

5.    Barry JM. A grande gripe. Intrínseca; 2004.

6.    Bernstein PL. Desafio aos deuses – a fascinante história do risco. 100 Ed. Campos; 1977.

7.    Motta FCP. Teoria Geral da Administração. 17 ed. Pioneira; 1992.

8.    Bacon F. Ensaios sobre moral e política. Edipro; 2001.

9.    Greene R. 48 lições do poder. Rocco; 2000.

 

 

 

 

Recebido: 27 de junho de 2022. Aceito: 30 de junho de 2022

Correspondência: Olímpio J Nogueira V Bittar.  E-mail: olimpiobittar@gmail.com

Conflito de Interesses: o autor declarara não haver conflito de interesses

 

 

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